Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 27, 2005

EDITORIAL DE O GLOBO Dois governos




A pouco mais de um ano do fim, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva se consolida como o governo das ambigüidades, por carregar as mesmas visões e práticas contraditórias encontradas no PT.

Os conflitos vêm de longe. Enquanto correntes petistas se mantiveram fiéis a propostas de política econômica cujo resultado seria a desestabilização do país, Lula e auxiliares tiveram a sensatez de redigir a Carta ao Povo Brasileiro, na campanha eleitoral de 2002, pela qual os princípios de macroeconomia seguidos por qualquer país sério foram mantidos. Em contrapartida, o governo permitiu o aparelhamento da máquina pública, por petistas e aliados, com resultados desastrosos e conhecidos.

Para cada acerto o Planalto tem produzido um erro. Se o bom senso tem levado a que se acumulem superávits primários nas contas públicas (sem contar os juros da dívida interna) acima da meta de 4,25% do PIB — única forma benigna de se resolver o problema da dívida — o outro governo Lula atua em sentido contrário e cria novas empresas estatais. Como revelou O GLOBO, o governo já fundou 34 estatais, num grave retrocesso na tendência de redução da presença do Estado na economia, iniciado no governo Sarney. O governo pode se defender alegando que muitas dessas empresas derivam da expansão da Petrobras. A questão é saber se todas seriam necessárias e se estão sendo utilizadas para os fins devidos. Pelo menos uma dessas subsidiárias da Petrobras, como se noticiou, foi utilizada para empregar um apaniguado do ainda ministro Luiz Gushiken.

Outra aberração é o Banco Popular, um apêndice do Banco do Brasil e que serviu apenas para abrigar um aparelho petista, produzir prejuízos e irrigar o caixa das agências de publicidade de Marcos Valério. Essa face de ambigüidades do governo fica ainda mais nítida quando, ao lado do êxito na luta contra a inflação — mesmo que se possa criticar alguma overdose nos juros básicos — se constata o crescimento constante dos gastos públicos primários. O fato é preocupante, até porque, faça-se justiça, trata-se de uma distorção herdada da gestão FH. Essas despesas, que em 1998 eram de 19,5% do PIB, chegaram a 21,6% em 2002 e este ano devem atingir 22% do PIB. Explica-se por que a carga tributária, que no início da era FH situava-se em aproximadamente 28% do PIB, atinge hoje 36%, índice asfixiante. Ou seja, o imprescindível superávit primário tem sido financiado pelo contribuinte e cortes nos investimentos públicos.

O governo se beneficia de uma conjuntura externa especial, em que o mundo cresce e o comércio se expande a altas taxas. Com isso, as exportações ajudam a puxar a economia interna, aumentando a arrecadação. No período de doze meses encerrado em julho, por exemplo, a Receita Federal arrecadou R$ 207,3 bilhões, uma expansão de 14% em termos reais.

Não é segredo, esta conjuntura não será eterna. Haverá um momento em que Lula, ou quem estiver no Planalto, terá de optar por um desses dois tipos de governo: o perdulário e estatizante ou o que segue as regras da responsabilidade fiscal, e não as cartilhas de uma visão ideológica das décadas de 50 e 60, aposentada pela História.

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