O GLOBO
Ilimar Franco, Maria Lima e Isabel Braga
BRASÍLIA
Decidido a eleger Aldo Rebelo (PCdoB-SP) presidente da Câmara a qualquer preço, o governo Luiz Inácio Lula da Silva recorreu a práticas como prometer liberar verbas, distribuir cargos, ceder a projetos do baixo clero e dos evangélicos, além de negociar abertamente com os principais partidos envolvidos no escândalo do mensalão, como o PP do ex-deputado Severino Cavalcanti, o PTB do ex-deputado Roberto Jefferson e o PL do também ex-deputado Valdemar Costa Neto. Com uma votação apertada tanto no primeiro quanto no segundo turnos, o Planalto conseguiu eleger Aldo com uma diferença de apenas 15 votos. Para isso, liberou até emenda apresentada por Valdemar, que, assim como Severino, renunciou ao mandato para fugir da cassação por suspeita de corrupção.
Aldo teve 258 votos contra 243 do candidato da oposição, José Thomaz Nonô (PFL-AL). Com a vitória do candidato oficial, o governo Lula dá um passo importante para tentar conter a crise política que começou justamente com a derrota do PT nas eleições para a presidência da Câmara em 15 de fevereiro e se agravou com o escândalo do mensalão. Severino, eleito há sete meses, renunciou semana passada sob suspeita de receber propina.
O dia foi de muita tensão. Nonô surpreendeu no primeiro turno, quando teve o mesmo número de votos de Aldo, 182. No segundo turno, votaram 509 deputados, sendo seis votos em branco e dois nulos. Quando foi proclamado o resultado, Aldo, até então muito tenso, sentado no meio do plenário, foi carregado pelos governistas.
Valeu tudo na busca pelos votos
Desta vez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não cruzou os braços e se envolveu diretamente na disputa. Ao contrário do que ocorreu em fevereiro, Lula impôs ao PT um candidato e determinou aos ministros que entrassem no corpo-a-corpo para obter os votos. Autorizou a abertura dos cofres para agradar aos aliados e não escondeu os acordos com os líderes do mensalão, tendo inclusive recebido Valdemar Costa Neto no Planalto.
Depois de sete meses com o governo na defensiva, a vitória de Aldo aponta para a reconstrução da base política de Lula. Com o apoio da maioria do PL já no primeiro turno, a vitória no segundo se deveu à ajuda da maioria dos deputados do PP e do PTB.
Nonô teve uma votação acima de sua própria expectativa no primeiro turno, numa demonstração de força dos partidos que fazem oposição ao Planalto. Isso ocorreu porque o presidente do PMDB, Michel Temer (SP), ao renunciar à sua candidatura, levou cerca de 45 votos para Nonô. A desistência do deputado Francisco Dornelles (PP-RJ) também garantiu ao candidato da oposição mais dez votos.
— Nós temos muito mais votos no PP e no PTB que a oposição. A desistência de Temer é que levou a disputa para este empate — dizia o líder do PT, Henrique Fontana (RS), antes do resultado final.
Os governistas já tinham acertado com os principais dirigentes do PTB e do PP o apoio à candidatura de Aldo no segundo turno. Por isso, não pressionaram para que os candidatos Ciro Nogueira (PP-PI), que teve 76 votos, e Luiz Antonio Fleury (PTB-SP), com 41, abrissem mão de suas candidaturas.
Durante uma hora e meia, entre o primeiro e o segundo turnos, Aldo e seus aliados foram atrás dos votos que faltaram. Ele foi ao gabinete de Ciro Nogueira e depois ao do líder do PP, José Janene (PR), também envolvido no escândalo do mensalão. Para reforçar o apelo do governo, o ministro das Cidades, Márcio Fortes, indicação de Severino, participou da reunião. O próprio Severino ligou para correligionários recomendando o voto no candidato do Planalto.
— O Severino me telefonou pedindo para votar no Aldo — contou Benedito Dias (PP-AP).
Após a saída de Aldo e a garantia que receberam do ministro das Relações Institucionais , Jaques Wagner, de que o partido terá liberdade para nomear o segundo escalão do Ministério das Cidades, o PP fechou com o candidato do governo. No PTB coube ao ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, comandar o alinhamento com a candidatura de Aldo. O ministro instalou-se na sala do líder José Múcio (PTB-PE) e participou de uma reunião em que estavam 40 dos 47 deputados da bancada e estes decidiram por 34 votos e seis que dariam apoio ao candidato do governo.
Até projeto sobre aborto é negociado
Antes do início da votação do segundo turno, Aldo conversou por telefone com Severino e participou de uma reunião com cerca de 20 deputados evangélicos, quando disse que lutará para que a execução do Orçamento da União, no que se refere às emendas parlamentares, seja obrigatório pelo Executivo. E o ministro Jaques Wagner assumiu o compromisso de que o governo Lula não porá em votação projeto que descriminaliza o aborto.
Em entrevista após a eleição, Aldo disse que seu primeiro esforço juntamente com os líderes, hoje, será analisar a possibilidade de aprovar até amanhã projetos de mudanças na legislação eleitoral. Mas admitiu que será muito difícil. Ele negou ter participado de qualquer tipo de acordo com os partidos pequenos envolvendo mudanças no percentual da cláusula de barreira. O índice atual exigido dos partidos é o mínimo de 5% dos votos nacionais, mas os pequenos partidos querem a redução para 2%.
— Como eu poderia ter feito acordo? Os partidos pequenos votaram em candidatos diferentes. Ou eu sou ruim de acordo — disse.
Sobre outra reivindicação polêmica dos seus novos liderados — a equiparação dos subsídios dos deputados aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal — disse:
— Eu pessoalmente não sou favorável, mas sei que existem aspirações por essa equiparação. Tem que ser uma decisão coletiva e não apenas do presidente da Câmara. Mas este não é um tema que me pareça prioritário.
Aldo disse que a liberação de verbas de emendas parlamentares é algo corriqueiro e que não se deve fazer uma relação entre essas liberações e votações ou acontecimentos na Câmara.
Entrevista:O Estado inteligente
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