Os recentes acontecimentos do país nos levam a questionar qual é a diferença entre esquerda e direita hoje em dia.
Até recentemente, esquerda e direita se diferenciavam no conceito da relação do Estado com a economia. A esquerda queria o controle estatal, a direita defendia a liberdade do mercado. Hoje já não há diferença com relação a esse ponto. A esquerda evoluiu, entendeu os limites da economia, assumiu a responsabilidade fiscal, percebeu que nem sempre o Estado atende aos interesses da população, e que muitas vezes o setor privado tem um papel social dinâmico e positivo.
Mas não evoluiu no sentido de substituir suas antigas utopias por outras. Tornou-se prisioneira da sua evolução, identificou-se com a direita.
As mudanças das últimas décadas criaram uma separação entre trabalhadores e pobres. Implantaram uma apartação social que muitas vezes une trabalhadores do setor moderno e ricos capitalistas contra os pobres excluídos. Ao representar os trabalhadores, a esquerda afastou-se dos excluídos.
A esquerda evoluiu negando-se a si mesma, e identificando-se com o lado bom da direita assistencialista. Há um ano, chefes de governo reunidos na sede da ONU, provocados pelos presidentes Lula e Zapatero, concordaram que a luta contra a pobreza deveria começar com o combate à fome no mundo, e que isso se daria com o crescimento econômico e a distribuição de seus frutos, na forma de medidas assistenciais e contribuições financeiras dos países ricos.
Esse será um grande serviço humanitário, mas não servirá para reduzir a exclusão social. Em vez de pregar a distribuição dos produtos da economia, ponto defendido também pela direita, a esquerda poderia se diferenciar apresentando uma estratégia de inclusão social. Iniciar uma luta contra a pobreza não graças ao crescimento econômico, mas sim mediante investimentos púbicos. Fazer no século XXI o que a Europa fez há décadas com a sua população: dar prioridade à educação e a outros investimentos sociais. Mais do que se inspirar na Aliança para o Progresso de Kennedy, que buscava o crescimento econômico, lançar um novo Plano Marshall Social Global, buscando atender as necessidades da população pobre do mundo inteiro. O melhor mecanismo seria levar para o mundo um programa nos moldes da Bolsa-Escola, criada no Brasil mas aplicada com muito mais sucesso no México.
Com uma Bolsa-Escola mundial, seria possível transferir renda às famílias que tivessem seus filhos freqüentando regularmente a escola. De imediato, essa renda reduziria o problema da fome. Mas a melhoria educacional transformaria a realidade das famílias, aumentaria a demanda por vagas e por qualidade de ensino, e obrigaria os governos a aumentarem seus investimentos em educação.
Mas ninguém apresenta uma proposta como essa, porque a esquerda está aprisionada ideologicamente, desde a queda do Muro de Berlim. Aceitou a lógica da distribuição dos efeitos do crescimento econômico, deixando para trás o compromisso ético com a inclusão. Se a esquerda adiar o início desse debate, não será difícil que uma direita reciclada preencha esse vazio ideológico.
Quando a política cria uma esquerda da fome, o pensamento começa a ter fome de esquerda. Precisamos retomar nossos sonhos e compromissos com os objetivos libertários de educação, saúde, emprego, aposentadoria, cultura e todos os aspectos da vida social. Renovar os partidos de esquerda para que eles possam, uma vez no poder, reorientar efetivamente o futuro da nação.
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, setembro 28, 2005
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