Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 23, 2005

DORA KRAMER A última ceia dos cardeais

 

o estado de s paulo

dkramer@estadao.com.br

 

Ou a Câmara se entende, ou mostra ao País que o clero é todo de muito baixo nível A escolha está nas mãos dos deputados: ou se entendem acerca da presidência da Câmara à luz de critérios altos, ou estará extinta a divisão e provado que ali reina um só clero, e de baixíssimo nível.

Os primeiros acordes da sinfonia não recomendam. Os partidos mordem-se pela cadeira ocupada até anteontem por Severino Cavalcanti e - salvo melhor juízo a ser formado a partir de uma indispensável mudança de atitude -, dão mostras de que, além de não terem autocrítica, falta-lhes instinto de preservação.

E aqui não há distinção entre governistas e oposicionistas: todos embarcam na mesma canoa avariada que levou à brincadeira de mau gosto do início do ano. Com a agravante de que agora o fazem sem o benefício da dúvida.

Se cometerem o mesmo erro, incorrerão em crime premeditado de burrice, má-fé ou, o que parece mais provável, num misto de ambas. Em qualquer dos casos, os deputados estarão dizendo ao respeitável público que Severino, como defenderam alguns à época de sua eleição, é a cara do Brasil.

Como na realidade não é, suas excelências estarão também autorizando o eleitorado a lhes dizer poucas e boas nas urnas em 2006.

O cenário até o momento é o da disputa para ver quem tira mais vantagem da adversidade resultante do imperativo da renúncia do presidente por corrupção e da crise política que transformou os fortes em fracos e, a depender do andar da carruagem, pode levar todos ao fundo do mesmo poço.

Em relação à disputa de fevereiro, PFL, PSDB, parte do PMDB e o PPS contam com o argumento de que a eleição de Severino foi produto da desorganização do governo e da miopia do PT.

Agora a oposição não pode mais usar essa alegação porque o jogo começa do zero, em condições até menos vantajosas para o Planalto, pois o governo perdeu a posse das peças brancas que lhe dariam a prerrogativa da ofensiva.

Dizer que o presidente da República pretende influir na disputa para se precaver da derrota é acreditar que o governo disponha de estratégia e de tropa para combater. Não tem nenhum dos dois.

Está quase que na condição anterior: no início do processo da sucessão de João Paulo Cunha na presidência da Câmara eram dez os candidatos do PT.

Hoje, há quase o mesmo número de postulantes, acrescidos dos candidatos do PTB, do PP e avulsos.

Quem tem essa quantidade de opções não tem nenhuma com representatividade e legitimidade suficientes para enfrentar adversários em embate relativamente sem traumas ou grandes riscos de derrota.

Os oposicionistas dividem-se no apoio ao nome do vice-presidente José Thomaz Nono e na supostamente inofensiva candidatura de Michel Temer que, com certa dose de razão, provoca desconfianças no Palácio do Planalto, dado o alinhamento do presidente do PMDB ao grupo do partido taticamente aliado ao ex-governador Anthony Garotinho, mas estrategicamente simpático a futuros candidatos do PSDB à sucessão de Lula.

Por ora, prevalecem os cuidados com os efeitos políticos eleitorais que a eleição da presidência da Câmara renderá aos partidos. Embora pareça um critério adequado em ambiente de gente referida no poder por dever de ofício, o momento é anômalo, e como tal deveria ser considerado pelos cardeais sempre tão senhores das próprias habilidades e responsabilidades institucionais.

Estas tornam, ao menos em tese, essencial que dêem prioridade ao País em detrimento de suas pequenas conveniências. Afinal, para isso, para fazer política alta - o que implica grandes concessões em momentos de crise - é que contam com o beneplácito de serem vistos como a elite bem pensante e bem falante do Congresso.

Se esse grupo não for capaz de sentar e discutir feito gente grande, compreendendo o que se passa em volta, quais as variantes em jogo e qual é o papel de cada um, até para neutralizar possíveis atos de provocação de interessados no caos e na desmoralização, francamente, é porque são todos uns aprendizes de maus feiticeiros.

Casa de caridade

A presidente do Banco Rural, Kátia Rabelo, disse ao Conselho de Ética da Câmara que o banco foi usado por Marcos Valério de Souza, não teve participação alguma em ilícitos e só arcou com prejuízos por ter feito os empréstimos ao PT.

Exatamente para evitar infortúnios assim é que instituições financeiras exigem garantias adequadas para emprestar dinheiro. Se o Rural as dispensou, como fartamente demonstrado, alguma vantagem vislumbrou. Na mais inocente das hipóteses.

Indefensável

Os deputados beneficiados com a liminar do Supremo Tribunal Federal que lhes garantiu direito de defesa na Câmara até agora não fizeram uso da prerrogativa.

Alguns até sumiram para não receber as notificações, caracterizando a má-fé. A idéia parece ser mesmo a da postergação, de modo a que os processos sejam atropelados primeiro pela disputa em torno da presidência, depois pelo recesso e depois pela campanha eleitoral.

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