Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 30, 2005

Batendo no muro LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

FOLHA DE S PAULO

O processo de abertura em curso no Brasil aprofundou a dependência de nossos ciclos econômicos ao que acontece no resto do mundo. Como já disse várias vezes neste espaço, para o bem e para o mal. Vivemos hoje dias de euforia, principalmente nos mercados financeiros, porque a economia mundial está crescendo vigorosamente. Nosso PIB está se expandindo sob o impulso das exportações, fruto de preços de commodities mais altos e um crescimento vigoroso do comércio internacional.
Mas vejamos alguns problemas que podem aparecer em 2006 e 2007. O primeiro, e mais sério, vem de fora, mais precisamente dos Estados Unidos. Os mercados internacionais trabalham com a manutenção do crescimento econômico americano perto do potencial para o ano de 2006. Para tanto, contam com uma ação do Fed do tipo "light", isto é, sem produzir uma recessão na terra de Tio Sam. Com isso, o crescimento da economia mundial se manteria em níveis elevados, principalmente porque o outro motor da economia global -a China- continua a todo o vapor.
Mas os primeiros sinais de estresse no mundo cor de rosa de hoje estão aparecendo nos radares de analistas mais cuidadosos. Primeiro porque a tórrida demanda chinesa por matérias-primas está criando uma situação de escassez real em vários mercados. O de derivados de petróleo é o mais evidente. Mas o mesmo ocorre em outros. O desequilíbrio entre oferta e procura aparece porque os investimentos em aumento de capacidade de produção de produtos como petróleo e seus derivados, cobre, minério de ferro e outros não acompanharam a intensidade da demanda chinesa.
Poucos acreditaram em trabalhos que há alguns anos mostravam o potencial dessa situação de escassez. Lembro-me de ter lido um estudo especulativo sobre o que aconteceria no mundo quando a renda per capita da China chegasse à marca de US$ 3.000. Segundo o autor desse trabalho, seria preciso uma nova Terra para equilibrar os mercados de bens primários. O que estamos vendo agora, mesmo com a renda média dos chineses muito abaixo dos US$ 3.000, é apenas uma prévia do futuro.
É evidente que investimentos serão feitos para aumentar a oferta das matérias-primas e produtos primários escassos. Mas isso leva tempo e um aumento ainda maior de preços para viabilizar novos projetos. Essa é uma característica clássica de setores cujo aumento de oferta só é viável a partir de projetos de grande escala e, por isso mesmo, com elevadas barreiras de entrada: siderurgia, mineração, petroquímica, celulose, entre outros.
Dou aqui dois exemplos: no caso da Vale do Rio Doce, aos preços atuais do minério de ferro, a rentabilidade de suas minas em produção é de mais de 100% ao ano; já no caso de três grandes minas novas, que estão sendo desenvolvidas por outras empresas, o retorno é de pouco mais de 15%. No caso de novas plataformas de exploração de petróleo no mar, as estimativas são as de entrega para a produção apenas para depois de 2008 e a custos maiores que os atuais.
Com isso, existe uma pressão inflacionária latente que já foi detectada por alguns bancos centrais. Mas o problema que realmente preocupa o analista mais cuidadoso é o mercado de trabalho americano. A continuar o ritmo atual de crescimento na maior economia do mundo, as pressões inflacionárias, pelo lado do chamado custo do trabalho, devem aparecer em meados da segunda metade do próximo ano. Adicionando os estímulos fiscais que devem aparecer, por conta da reconstrução dos estragos que os furacões provocaram na terra do sr Bush, a probabilidade de um Fed mais agressivo aumentou muito.
O crescimento do mundo pode estar batendo no muro da capacidade instalada em segmentos sensíveis da economia e no mercado de trabalho dos EUA. E, para acomodar tal situação, não se conhece um mecanismo de curto prazo que não seja juros mais altos e crescimento menor. Como a economia chinesa é a que menos responde aos sinais do mercado -ainda é comandada pelo planejamento estratégico centralizado-, o peso do ajuste vai ser maior nas economias realmente capitalistas.
Estamos claramente chegando ao fim de um longo e complicado ciclo de crescimento no mundo, e a configuração de um período de crescimento mais baixo deve começar a partir de 2006.

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