folha de s paulo
Os oposicionistas mais ativos, principalmente os aprendizes de agitadores nas CPIs, gostam de dizer que estamos diante do maior caso de corrupção havido em um governo brasileiro. Nem se imagina até onde irão as descobertas de contas, depósitos, saques e seu afortunado montante, o que condena a tese oposicionista por precipitação. Além disso, mais importante, muita gente bem qualificada tem a convicção de que as privatizações, elas sim, motivaram uma engrenagem de corrupção sem igual. Não só pela dimensão financeira, como pela desfaçatez - tolerada, senão abençoada, pela mídia.
O aspecto mais grave da corrupção no Brasil não está, porém, no montante de tal ou qual caso. Está na continuidade permitida pela falta da punição adequada e na generalização crescente. A sociedade brasileira está infiltrada de corrupção em todos os setores. No caso, nem a regra da costumeira exceção existe.
Lula vangloria-se, no entanto, das operações e prisões feitas durante seu governo: "Nenhum governo combateu tanto a corrupção" é uma de suas frases prediletas. Em dois gêneros, de fato, a eficiência da Polícia Federal aumentou muito: contra quadrilhas de traficantes de drogas, no que conta com preciosas informações de agentes americanos agindo aqui; e contra a sonegação de impostos, no que é orientada pelas informações da Receita Federal e do Ministério Público.
Mas não é desses crimes que se trata quando se fala de corrupção. É daqueles outros de que o candidato Lula falava, quando assumia um dos seus mais estimulantes compromissos: "vou acabar com a corrupção no governo", "no meu governo quem for corrupto vai para a cadeia".
O Tribunal de Contas da União, que andou um tanto sumido, volta a merecer a atenção que a mídia, porém, não lhe dá. Órgão auxiliar do Congresso para a fiscalização administrativa do governo, o TCU está apontando irregularidades em 168 obras atuais de ministérios e de estatais. Cerca de um terço das que tiveram seus contratos e andamentos sob exame. Orçamentos absurdamente altos, superfaturamento, irregularidades contratuais, e outros indícios, são de tamanha gravidade que levam o TCU a recomendar a suspensão imediata de pelo menos 81 das obras.
Os 168 casos com irregularidades resultariam de falhas nas concorrências, contratações e andamentos, por incapacitação técnica dos responsáveis? É mais fácil acreditar na lisura de Marcos Valério, Delúbio Soares & cia ilimitada. O caso da Petrobras vale como ilustração definitiva: seu corpo técnico é reconhecido no mundo pela competência extraordinária, mas em todas as obras da empresa - repito: em todas - o TCU encontrou irregularidades.
Atribuir esse quadro a Lula seria de má-fé. Mas aí estão duas comprovações. Uma, a de que a corrupção penetra toda a administração pública. Outra, a de que o governo Lula tem feito pouco ou nada para reprimi-la. Isso, no âmbito da administração propriamente. No das relações entre política e administração, a atitude é pior. E aí não há como isentar o próprio Lula de parte da responsabilidade.
Depois de declarar, várias vezes, que o problema Severino e sua sucessão são assuntos da Câmara, nos quais o governo não interviria, Lula decidiu impor um candidato à nova presidência, Aldo Rebelo. Indicação problemática, mal recebida até na "base aliada", precisou acompanhar-se de uma providência facilitadora: meio bilhão liberados para usos sugeridos por deputados. Providência que se tornou corriqueira. Mas corriqueira porque a corrupção também se tornou corriqueira. É claro, nessa prática que se torna habitual, a tentativa de suborno. É essencialmente de corrupção política que se trata. Não leva o carimbo da SMPB de Marcos Valério porque já leva timbre da Presidência da República. Para um presidente que vinha acabar com a corrupção, não deixa de ser uma equivalência de atos muito eloquente.
Uma breve passada de olhos pela decisão do TCU e pela relação Planalto/Câmara faz entender que nada há de anormal no que as CPIs têm revelado.
Inesquecível
A par da coragem e da determinação de acima de tudo defender seus ideais, como dele já se disse tanto, Apolônio de Carvalho tinha um traço peculiar que me provocava curiosidade. Um dia imaginei ter encontrado a resposta: a retidão incomparável de Apolônio levou-o a juntar, como uma coisa só, a doçura e a inteireza dos que fizeram o que devia ser feito - a vida passada não lhe trazia peso algum, nem de fendas abertas, nem de dívidas esquecidas, nem de gestos incompletos.
Guardo com uma sensação de humor a sua imagem no arremedo de banco traseiro do meu KarmanGhia, onde teimava em dobrar-se, deixando a outro o banco da frente. Talvez para ficar menos exposto aos carros da repressão nas madrugadas do Rio, certamente para não abrir mão de sua gentileza por causa, ora veja, de uma ditadura. Apolônio de Carvalho: um ser monumental.
Entrevista:O Estado inteligente
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