O ato inaugural do movimento pela "refundação do PT", na segunda-feira à noite, em São Paulo, chamou a atenção por dois motivos. O primeiro foi a escassa presença de membros da elite política petista. Dos 7 candidatos a presidente da sigla, na eleição do próximo domingo, compareceu apenas - sintomaticamente - o deputado estadual gaúcho Raul Pont, da corrente Democracia Socialista. A segunda "atração", nesse que acabou sendo, em conseqüência, o que os italianos chamariam un fatto intelettuale, foi o pronunciamento embebido em emoções da filósofa Marilena Chauí, a intelectual-símbolo do PT - descontados os que romperam com o partido antes até da era do mensalão. Semanas atrás, para consternação de todos quantos entendem que o primeiro mandamento da ética intelectual é buscar - e proclamar - a verdade, Marilena disse que "o verdadeiro engajamento exige muitas vezes que fiquemos em silêncio". Agora, imaginando talvez que o verdadeiro engajamento exige muitas vezes que se maltrate a verdade em alto e bom som, ela fez algumas colocações, como diriam os petistas, reveladoras de uma mentalidade que jaz sob os escombros do que o século 20 teve de pior - em nome da causa do progresso humano. Com a inteligência até hoje obnubilada pelo que Raymond Aron chamou de o "ópio dos intelectuais", a pensadora terminou sua alocução citando um brado de luta, "No pasarán!" - que comoveu os democratas do mundo inteiro quando o nazi-fascismo em ascensão esmagava a Espanha republicana, na guerra civil de 1936 a 1939. Ocorre que a palavra de ordem, lançada pela comunista Dolores Ibárruri, lembra também, inexoravelmente, que foi na Espanha ensangüentada que alguns dos mais luminosos - e honestos - intelectuais do Ocidente tiveram contato direto com a verdadeira face do stalinismo. As violências cometidas pelo PC espanhol, a mando dos generais e comissários vindos de Moscou, contra os próprios republicanos, a começar do extermínio dos aliados anarquistas, estilhaçaram as últimas ilusões de autores engajados da estatura do inglês George Orwell, do francês André Malraux, do húngaro Arthur Koestler e do italiano Ignazio Silone. Por serem íntegros e lúcidos, não tergiversaram com a verdade que tiveram a desventura de conhecer lutando na Espanha (que outros comunistas da época não reconheceram nem depois do pacto Molotov-Ribbentrop e nem com o discurso de Kruchev no XX Congresso do PCUS) nem culparam outros pelos crimes do comunismo soviético - muito menos silenciaram, sabendo embora que seriam estigmatizados pela máquina de propaganda da URSS. Silone cunhou a irrepreensível expressão "fascismo vermelho". Koestler escreveu O zero e o infinito, sobre os infames Processos de Moscou; Malraux, A esperança, sobre a guerra civil em que lutou; Orwell, o clássico 1984 e a Revolução dos bichos, sobre o totalitarismo stalinista. Guardadas as proporções, eles equivalem aos brasileiros que eram democratas quando ajudaram a criar o PT, enquanto outros continuam sendo o oposto disso: combateram o regime militar não para restabelecer as liberdades "burguesas", mas para substituí-lo por um ainda mais ditatorial. São os que consideram democrático o regime da ilha onde o grão-petista José Dirceu gosta de passar férias. Pertencesse Marilena Chauí inequivocamente ao primeiro grupo, não invocaria Dolores Ibárruri, nem diria a enormidade de que o PT é odiado por ter sido "o principal construtor da democracia" no Brasil. Como se todos os petistas - repita-se - fossem democratas, como se detivessem o monopólio da campanha pela redemocratização, como se todos os que não os vissem como redentores do povo brasileiro estivessem a serviço da ordem autoritária de 1964. E como se não tivesse sido necessário, muito depois, inventar um Lula, paz e amor para sugerir que o partido abjurou da política de ódio e prepotência adotada com entusiasmo por tantos de seus militantes - mesmo na academia, o território da tolerância. Mas, sobretudo, como se continuasse sendo verdade absoluta que a corrupção é produto da direita. Que PT é esse que quer se refundar negando que afundou pelo que fez? Um petista da primeira hora, o economista Paul Singer, ousou afirmar que a sigla é capaz de usar métodos "delinqüentes" para ganhar eleições. Mas tais verdades "no pasarán" pela peculiar filosofia do partido.
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Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, setembro 14, 2005
EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO As verdades 'no pasarán'
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