O Tesouro brasileiro realizou na semana passada a primeira emissão externa de títulos em reais, captando o equivalente a US$ 1,5 bilhão. A demanda superou em muito esse valor, refletindo a queda na aversão ao risco dos investidores globais e seu apetite por títulos dos países emergentes. Outros países da América Latina, da Ásia e sobretudo da Europa Oriental também estão aproveitando a "janela de oportunidade".
Ao comprar o títulos em reais, o investidor estrangeiro corre o risco cambial, mas passa a deter um papel de dez anos que paga juros de 12,5% ao ano. Taxa que embute "spread" de 825 pontos-base sobre os títulos americanos de mesmo prazo, que pagam 4,25%. A taxa da captação brasileira está, portanto, muito acima do risco-país calculado pelo JP Morgan (em torno de 360 pontos), utilizado como referência nas captações em dólar, euro e iene.
Nove bancos brasileiros e a Eletropaulo já efetuaram operações semelhantes, captando US$ 1,2 bilhão. O volume de recursos é relativamente modesto e os prazos (dois a três anos), curtos pelos padrões internacionais. Espera-se que a captação da República defina um custo mínimo ("benchmark") e abra espaço para outras emissões em reais.
Essas operações parecem uma boa notícia para o mercado financeiro brasileiro. A principal vantagem é a eliminação do risco de desvalorização do real, que é transferido para o investidor externo. Além disso, a colocação dos títulos é pulverizada entre fundos de hedge, fundos dedicados a mercados emergentes, tesourarias de bancos e fundos gestores de grandes fortunas. Isso significa que novos investidores passam a financiar a dívida brasileira. A emissão pode, assim, contribuir para a redução das taxas de juros em reais, o alongamento do prazo da dívida pública e a redução de sua parcela denominada em moeda estrangeira.
À primeira vista, a emissão de títulos de dívida denominados na moeda dos países emissores no mercado de capitais internacional parece sinalizar um grande salto qualitativo dos mercados emergentes -qual seja, a superação da incapacidade de emitir dívida externa na moeda nacional, não-conversível (isto é, não negociada nos mercados internacionais). É essa incapacidade que faz com que esses países sejam vulneráveis às mudanças nos fluxos de capitais mundiais e que suas moedas estejam sujeitas a desvalorizações abruptas.
Porém, observando-se mais de perto, verifica-se que as operações não caracterizam tamanha mudança. As transações, embora denominadas em moeda nacional, serão liquidadas em dólar.
Parece evidente que essa nova modalidade de emissão somente se tornou viável devido ao contexto de abundante liquidez financeira internacional. Resta saber se esse novo tipo de ativo conseguirá resistir às flutuações dos mercados financeiros internacionais, ou se representará apenas uma oportunidade transitória. Tudo vai depender de o atual ciclo de liquidez global se revelar mais sustentado que os anteriores.
Entrevista:O Estado inteligente
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