Cristiano Romero |
Valor Econômico |
21/9/2005 |
Agora que, decorridos quase três anos, a política externa do governo Lula é vista em toda a extensão de sua ineficácia, torna-se oportuno olhar para um aspecto específico: as relações com os Estados Unidos. Em geral, Lula não as piorou, mas tampouco trabalhou para intensificá-las, para melhorá-las. Na prática, o que houve da parte do Brasil, sob a gestão petista, foi um inexplicável alheamento. Quando Lula assumiu o poder, o que se viu em Washington foi uma recepção calorosa ao dirigente brasileiro. Os americanos são pragmáticos. Com a Venezuela em convulsão e a Argentina em transe, não interessava a eles, na América do Sul, perder também o Brasil. O governo dos EUA julga que já tem problemas demais no resto do mundo para administrar. O jeitão tosco de George W. Bush e a antipatia que nutria pelo antecessor de Lula facilitaram a aproximação entre o presidente americano e seu colega brasileiro. Os dois chefes de Estado têm essa característica comum. Ambos odeiam intelectuais e tiveram como antecessores justamente dois deles - Bill Clinton e FHC. A boa química entre Bush e Lula gerou o esboço do que seria um avanço no estreitamento das relações entre Brasil e Estados Unidos. Em 2003, Lula levou metade de seus ministros a Washington, para uma reunião de alto nível com Bush e sua equipe. No encontro, criaram-se grupos de trabalho para intensificar o relacionamento das duas nações em áreas como energia, ciência e tecnologia, meio-ambiente e macroeconomia. Um detalhe relevante: o Brasil é, por seu desenvolvimento tecnológico na exploração de petróleo em águas profundas, um dos poucos países do mundo que o governo Bush considerou estratégico, em seu plano de energia, para realizar parcerias de investimento. O petróleo brasileiro é visto pelos americanos com a cobiça de quem quer diminuir a dependência do óleo produzido no Oriente Médio. Pois bem. O grupo de trabalho de energia e todos os outros criados na reunião de cúpula estão paralisados. Um vexame explicado apenas pela cegueira ideológica da atual cúpula do Itamaraty, que odeia os EUA e tudo o que lhes diz respeito. "Os grupos não avançaram porque o governo brasileiro passou a dar baixíssima prioridade aos Estados Unidos", atesta Rubens Barbosa, embaixador do Brasil naquele país por cinco anos e um dos responsáveis pela aproximação entre Lula e Bush. O chanceler Celso Amorim não esconde de ninguém a irrelevância que atribui aos EUA para a política externa brasileira. Em entrevista recente à "Veja", deixou claro que, na verdade, a maior economia do mundo, com um PIB de US$ 11 trilhões (mais de 20 vezes o nosso), não figura sequer em seu radar. Palavras de Amorim ao jornalista Diogo Schelp: "As prioridades são a América do Sul, o reforço do Mercosul, a aproximação com a África, a cooperação com os grandes países em desenvolvimento, o reequilíbrio nas negociações da Alca, que a nosso ver estavam desequilibradas, e a reforma da ONU". Pujança americana, fora do radar do Itamaraty O desejo do Itamaraty em "reequilibrar" as negociações da Alca foi tanto que, hoje, essas negociações não existem mais. E os americanos seguem fechando acordos bilaterais pelo continente, provocando um prejuízo real para os produtos brasileiros. Os itamaratecas de plantão vão sempre dizer que a Alca não sai por causa do protecionismo americano. Não é verdade. Não sai porque o Brasil, sob Lula, não quer a Alca. "A perda das margens de preferência não é retórica. Um trabalho que fizemos na Fiesp, com o Ícone, mostra que, nos casos do México e do Chile, nos dois acordos firmados com os EUA, houve desvio de comércio, uma erosão das margens de preferência que o Brasil, dentro do Mercosul, recebeu desses dois países. Os EUA receberam vantagens mais profundas do que nós", explica Barbosa. "Como os acordos comerciais (negociados pelo Brasil) estão paralisados e como os EUA mantiveram essa política de negociar acordos bilaterais, está havendo um prejuízo concreto em termos de margens de preferência para os exportadores brasileiros." Os EUA são compradores ávidos. Importam US$ 1,5 trilhão por ano. Desse fabuloso mercado, o Brasil participa com apenas 1,3% (US$ 20 bilhões, em 2004). Do total de produtos importados pelos americanos, 68% entram em seu mercado com tarifa zero. Há 15 anos, os EUA crescem a uma média de 3% a 4% ao ano. Quando expande 3% por dois anos seguidos, cresce um Brasil. Há 20 anos, Brasil e China vendiam o mesmo montante para os EUA. Hoje, os chineses exportam para lá quase dez vezes mais. É evidente que o Brasil está perdendo uma grande oportunidade. "Não exportamos mais para os americanos porque não exploramos, como explorou a China, esse fato", assinala Barbosa. Bush visitará o Brasil em novembro. Na verdade, Bush não visitará o Brasil em novembro. O que ele vai fazer, no retorno da reunião da Cúpula das Américas, na Argentina, é dar uma passadinha em Brasília. Coisa rápida. De algumas horas. "É um troco. Um 'lip service' (em inglês, algo como falar da boca pra fora)", comenta o ex-embaixador em Washington. Um revide a quê exatamente? À arrogância brasileira, à falta de realismo, à retórica inconseqüente, ao excesso de gesticulação, ao anti-americanismo alimentado em várias esferas do governo e do partido do presidente - e apoiado com entusiasmo pela turma que, temporariamente, manda no serviço diplomático nacional. "Começa a ter conseqüência a politização da diplomacia brasileira", critica Barbosa. "As relações entre os dois países, que antes eram excelentes, agora são, como se diz no jargão diplomático, apenas corretas. Não são amigáveis." Todos esses temas e muitos outros são debatidos com excelência no livro "Relações Brasil-EUA: Assimetrias e Convergências", organizado por Rubens Barbosa e pelo incansável Paulo Roberto de Almeida, diplomata que, como ministro-conselheiro, foi o braço direito de Barbosa durante parte de sua passagem pela capital americana. Editado pela Saraiva, o livro, que traz reflexões de pesos pesados como Eliana Cardoso, Thomas Skidmore e Marcelo de Paiva Abreu, será lançado no dia 3 de outubro, em São Paulo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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Brasil - Estados Unidos: uma oportunidade perdida
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