O GLOBO
As autoridades esportivas reagiram como de costume: declarações enfáticas e poucos sinais concretos de medidas enérgicas para resolver o problema das partidas decididas no apito.
Em suma, tiveram e estão tendo a atitude natural de quem acaba de ser surpreendido por má notícia absolutamente inconcebível e inesperada.
São santos senhores. E surdos. Já no meu tempo de garoto, quando a gente assistia a decisões de campeonatos na Gávea ou nas Laranjeiras, as arquibancadas freqüentemente decretavam, em coro ensurdecedor: "Juiz ladrão!"
Muito bem, às vezes não era. Mas com certeza o torcedor tinha uma margem de acerto digna de respeito. E bem superior à dos cartolas de então e de hoje. Nas mãos destes, acaba de explodir uma bomba que não dá para fingir que é de pólvora seca: apareceu o primeiro juiz de futebol confessadamente ladrão na história do mais alto nível do esporte profissional.
Os homens prenderam demais a bola, talvez — e aqui vai interpretação pessoal, devidamente preconceituosa e desacompanhada, como é natural, de qualquer tipo de prova — porque a cartolagem nacional costuma ter alergia a denúncias e investigações. Quem sabe, devido a um agudo sentido de autopreservação: devassas, já se dizia quando Friedenreich era juvenil, sabe-se onde começam, ignora-se onde vão dar.
Não vai nisso insinuação contra todos ou a maioria dos dirigentes do futebol profissional brasileiro. Mas sim a lembrança de que se trata de esporte dirigido quase exclusivamente por amadores. E isso, diz a experiência internacional, raramente dá certo. Para os clubes, naturalmente — principalmente quando esses amadores negociam com agentes e empresários extremamente profissionais.
O juiz ladrão do momento não foi denunciado por cartolas nem pelos órgãos técnicos que cuidam do setor: quem pôs a boca no alto-falante foi a turma de um sitede apostas. Já há inquérito oficial, contra ele e outros implicados, e as autoridades esportivas parecem sinceramente interessadas em dois objetivos: punir o maior número possível de culpados e repetir o menor número possível de partidas. Fala-se em 11, o que não será pouco nem muito — desde que seja o número exato de jogos virados pelo avesso.
Belas intenções. Mas não se tem notícia ainda de discussão e planejamento de uma organização capaz de garantir previamente honestos apitos — tendo-se como óbvio que o sistema atual é bola murcha.
Talvez só se resolva esse problema quando também a arrecadação das partidas ficar a salvo de, diga-se assim, surpreendentes encolhimentos.
Seja como for, é bom prestar atenção ao coro das arquibancadas. Elas sabem o que gritam.
Entrevista:O Estado inteligente
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