o globo
Olhar ocidental sobre a China é comum. As publicações internacionais estão cheias de análises de quem vai lá e volta boquiaberto. Raro é o olhar chinês. A última "Foreign Affairs" trouxe artigos escritos por chineses. Zheng Bijian, autor de relatórios para reuniões de cinco congressos do partido, fala da principal fraqueza da China: o país tem falta de energia, matérias-primas e água.
O que é abundante no Brasil, a água, é um dos principais constrangimentos chineses. Seu suprimento de água per capita é um quarto da média mundial. O Brasil, como se sabe, nada em 12% da água doce do mundo e negligencia isso como se esse fosse um bem infinito. Outro recurso em que somos bem aquinhoados é raro por lá: a China tem em área agriculturável apenas 40% da média mundial. Nós pisamos na nossa distraídos, sem saber que a ventura desta vida tem que ser preservada conciliando desenvolvimento e meio ambiente. A China enfrenta escassez de uma série de matérias-primas e fontes de energia.
Outro interessante ponto do artigo de Zheng Bijian, membro do Fórum de Reforma da China, uma ONG dedicada a estudos sobre a situação interna do país, é ver o tamanho da China pelos dois lados. Um dos lados todos conhecem: o impressionante crescimento de 9,4% ao ano desde o início das reformas econômicas liberalizantes em 1978. Naquela época, o comércio exterior do país era de apenas US$ 20,6 bilhões, hoje é de estonteantes US$ 851 bilhões.
O outro lado: a China, com 1,3 bilhão de pessoas, ainda não chegou ao pico demográfico. A população continuará crescendo até 2030, período no qual vai agregar mais de um Brasil, chegando a 1,5 bilhão de pessoas. Por mais poderosa que pareça, a economia chinesa é 1/7 da dos Estados Unidos e 1/3 da do Japão. Em termos per capita, é um país em desenvolvimento de baixa renda. Ocupa o 100 lugar no mundo. O planejamento estratégico dos governantes é chegar em 2020 com uma renda per capita de US$ 3.000 (a do Brasil já é maior que isso hoje) e só em 2050, daqui a 45 anos, é que eles atingirão o nível de país desenvolvido de nível médio. E está programado para apenas esse remoto futuro ser um país democrático.
Pelo plano estratégico da China, o país terá de superar três obstáculos. Primeiro, suprimento de recursos naturais; segundo, o problema ambiental criado por poluição, desperdício de recursos escassos, baixa taxa de reciclagem, porque o país tem pouco e ainda usa mal os recursos; terceiro, a falta de coordenação entre desenvolvimento econômico e social.
O artigo termina com uma oficialíssima afirmação de que a China se tornará potência de maneira diferente de outros países. Em vez de guerra, colonização e ocupação, o país fará o "crescimento pacífico".
O texto seguinte é, nesse ponto, mais direto e franco. Escrito por dois professores da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, David Zweig e Bi Jianhai, sustenta a tese de que na sua "caçada global por energia", a China já está atingindo vários interesses estratégicos dos Estados Unidos e tem aumentado a tensão com o Japão pelas reservas de gás no Leste do Mar da China.
O consumo chinês de alumínio, cobre, níquel e minério de ferro mais que dobrou em 10 anos, de 1990 a 2000, quando foi de 7% para 15% do consumo mundial. Agora está em 20% e vai dobrar de novo até o fim desta década. Há vinte anos, era o maior exportador de petróleo do mundo e hoje é responsável por 31% do crescimento da demanda mundial.
Este país faminto por petróleo tem feito acordos de garantia de suprimento com alguns dos países odiados pelos Estados Unidos, e que a política externa americana gostaria de ver isolados. Meses atrás, uma das empresas estatais chinesas fechou um acordo com o Irã para fornecimento de petróleo e gás que pode chegar a US$ 70 bilhões. Teerã, que fornece 11% do petróleo chinês, deu garantia de fornecimento para os próximos 25 anos. A política externa agressiva tem feito acordos com Liga Árabe, países africanos e alguns dos países da lista dos detestados de Washington, além do Irã, Mianmar, Sudão, Líbia. Em 1997, o governo americano impediu que as firmas americanas fizessem negócios com o governo muçulmano do Sudão pensando enfraquecê-lo na guerra contra os rebeldes cristãos. A China aproveitou a deixa; hoje compra 5% do seu petróleo do Sudão e estacionou lá uma força de quatro mil efetivos não uniformizados para proteger seus interesses.
Wang Jisi é diretor do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais da Escola Central do Partido Comunista. É dele outro artigo da edição especial da revista. Wang Jisi disse que muitos chineses continuam vendo os Estados Unidos como a maior ameaça à segurança nacional, mas que, na verdade, os EUA hoje precisam da China em muitos assuntos como "o contraterrorismo, a não-proliferação, a reconstrução do Iraque e a manutenção da estabilidade no Oriente Médio".
O professor afirma que, a despeito de todas as vantagens, os Estados Unidos não são invencíveis. Por outro lado, diz que a estrutura de poder do mundo, com a supremacia do G-8 em todos os organismos internacionais, não vai mudar tão cedo. Apesar disso, a China tem, segundo ele, "cada vez mais espaço de manobra". Esse espaço, na visão do intelectual comunista, é a necessidade que os Estados Unidos têm hoje de cooperação da China para enfrentar algumas ameaças do mundo, como o controle sobre o programa nuclear da Coréia do Norte. Os fatos dos últimos dias deram razão ao Wang Jisi.
Entrevista:O Estado inteligente
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