Poucos momentos na história brasileira recente registraram grau de desarticulação político-partidária tão elevado quanto o que se vislumbra hoje. A disputa pela presidência da Câmara dos Deputados ressalta o fenômeno. Líderes não lideram; legendas não agrupam; o governo não articula. Mas, a depender de parlamentares e do Planalto, o pleito de quarta-feira pode também tornar-se o ponto de inflexão para a retomada de práticas mais regulares na condução dos assuntos públicos.
Os antecedentes dessa quase anomia político-partidária não coincidem com o estouro do escândalo de corrupção que solapou agudamente o governo Luiz Inácio Lula da Silva. São anteriores à crise, embora a desagregação política tenha sido exacerbada por ela. Severino Cavalcanti não teria sido ungido à presidência da Casa se não tivesse encontrado um terreno já propício -isto é, deteriorado- ao seu triunfo.
O governismo e seu núcleo, o petismo, daquela feita chegaram rachados à disputa, com uma chapa oficial e outra dissidente. Os oposicionistas se valeram da divisão e, no segundo turno, descarregaram votos no até então apenas folclórico "rei do baixo clero", Severino Cavalcanti. Na ânsia de fustigar o governo e sua desastrosa articulação política, desferiram um petardo na imagem da Casa.
Recorde-se, a esse respeito, que o ambiente de algumas das principais disputas parlamentares no país estava contaminado pelo espírito de revanche. Antes do pleito federal, na Câmara Municipal de São Paulo, premiou-se um dissidente do tucanato; já depois da eleição de Severino, na Assembléia Legislativa paulista, um político do PFL foi eleito. Nesses três casos, passou-se por cima da tradição de o maior partido indicar o presidente de cada assembléia.
Alguns vão ainda mais longe no tempo para fechar o diagnóstico sobre onde, exatamente, a fissura começou. Fala-se da atitude de Lula, logo no início de seu governo, de recusar uma aliança com o PMDB, pacto que, ao que consta, já havia sido fechado entre peemedebistas e o então ministro da Casa Civil, José Dirceu.
Outros vão mais fundo. A incapacidade algo genética do PT em partilhar poder com outras legendas, mesmo menores e menos tradicionais, associada à necessidade voraz do partido de tomar de assalto a máquina pública para acomodar milhares de assessores e apaniguados, estaria na base mesma da distribuição de dinheiro irregular a outros partidos da assim chamada base aliada.
Seja como for, já passa da hora de as principais forças político-partidárias envidarem esforços para reinstituir trâmites mais seguros, mais previsíveis, em suas ações e interações. Não se trata de abolir a disputa, essência mesma da política, mas de acomodá-la em regras de conduta mais estáveis. Para isso, é básico que o governo reconheça que não tem condições políticas para impor nada neste momento e o que melhor tem a fazer é negociar com a oposição.
Dessa negociação, porém, não pode sair nenhum tipo de acordo que prejudique as investigações do escândalo de corrupção nem que barre os processos de cassação de mandatos -houve sinais preocupantes nesta semana que passou de que uma "pizza" estaria sendo urdida. Tal desfecho seria desastroso para a imagem da Casa e contrário aos anseios legítimos da opinião pública.
Entrevista:O Estado inteligente
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