o globo
Reproduzo no título acima, dando o devido crédito, as palavras proferidas pelo ex-deputado Severino, ao mencionar as denúncias de que ele recebia uma gruja do concessionário dos restaurantes (casa de pasto talvez fosse a designação mais adequada a boa parte da freguesia dos estabelecimentos em questão) da Câmara. O homem estava indignado, era sua honra em jogo, era o presidente da Câmara de Deputados, uma das mais altas autoridades do país, sendo falsamente acusado de tomar uma grana comparável à de um bom flanelinha, desses que no Rio às vezes cobram 50 reais pelo direito de usar a rua por três horas. Quer dizer, o flanelinha pode até ganhar mais um pouco e certamente qualquer chefe de quadrilha que explore menores mendigos fatura bem melhor, mas, de qualquer forma, podia sair num jornal estrangeiro e não ficava bem para a nossa imagem. Mentira, mentira, mentira, pois.
Haverá quem ache que é mentira dele, porque, ao que parece (fico todo cheio de dedos ao escrever estas coisas, não só porque pertenço à deletéria imprensa, como porque posso ser processado e condenado, como esse doleiro que pegou uma pena de 25 anos, num país onde autores de chacinas são até absolvidos, traficantes perigosos cumprem pena em regime semi-aberto ou não cumprem pena nenhuma e a impunidade é geral, a não ser para quem incomoda), ele recebia mesmo o agradozinho dele. Tanto assim que certamente tomou uma providência imediata e mandou comprar — claro que com dinheiro nosso, pois, afinal, era despesa pública — um dicionário novo, onde encontrou a palavra "renúncia". Sabem como são essas coisas, a palavra "renúncia" está em uso praticamente desde que começou a língua portuguesa, mas o dicionário dele era mais antigo e não registrava essa tal renúncia, coisa certamente de comunistas, que são traidores da pátria, sim, mas muitos são inegavelmente inteligentíssimos. Aí ele pegou o dicionário novo, achou a palavra, não gostou muito, mas não imaginou outro jeito e resolveu renunciar.
Pensou no país até o fim e em amenizar tanto quanto possível o sofrimento de quem, afinal, não tinha nada a ver com o problema. Primeiro, pensou na aposentadoria, obrigação de pai de família e provedor. Segundo depreendo da leitura dos jornais, já está garantida. Depois pensou nos parentes e amigos, que são tão parte do povo brasileiro quanto vocês e eu e, portanto, não há o que reclamar, são brasileiros sendo beneficiados, melhor isso do que só se fosse no tempo dos russos. A renúncia não os podia prejudicar e então ele teve a hombridade de visitar o presidente da República, onde, ao que se disse, tratou dos problemas de seu povo, ou seja, pediu e obteve a garantia de que nenhum apaniguado seu perderia o emprego. Só mesmo um mau brasileiro, como nós, da imprensa, não compreenderia o calor humano desses dois grandes corações.
E, claro, somente a má vontade — e má vontade é com a gente da imprensa mesmo — é que vê na renúncia o reconhecimento da culpa e a convicção de que, exposto a julgamento, seria condenado. Portanto, passemos a borracha em tudo isso, graças a Deus somos brasileiros e resolvemos no entendimento o que em outros países que se dizem mais afortunados se resolve no tiro. Ele renuncia, ninguém fica mais querendo bisbilhotar o que não é da conta de ninguém além dele mesmo, porque nosso direito é o de pagar os subsídios (ou que outro nome artístico ora se empregue para designar tudo o que deputado embolsa legalmente, de forma direta ou indireta) dele e de nos gabar disso em qualquer lugar — a democracia está aí mesmo e não me deixa mentir: quem nos deu nosso juízo foi o governo, quem nos concede permissão para pensar é o governo, quem nos dá o direito de opinar e falar é o governo e, enfim, a gente só se queixa do governo porque é um governo bom e dá permissão, lembrem como o presidente disse que tem de ter muita, mas muita paciência mesmo, com um povo que pelo visto só faz atrapalhar.
Pronto, tudo resolvido. O dinheirinho pago já deve ter tido bom uso, ajudando um aqui, outro ali, vocês não sabem que saco sem fundo é eleitor nordestino. Se soubessem, não abriam a boca para ficar aí dizendo besteira sobre como deputado ganhar demais e ter muita regalia para pouco trabalho. Experimente ser do interior do nordeste e voltar à sua terra como deputado — é dinheiro que pedem que não acaba mais nunca, mas ninguém se lembra nessas horas da função social de alta relevância que o deputado exerce. Ouviram o galo cantar, não sabem onde e ficam repetindo essa bobajada, quem quiser que pense que o comunismo morreu, ele continua bem vivo aí, com as mesmas táticas desleais e inescrupulosas. E calvário enfrentado pelo bem do país, dolorosos momentos vividos, agora tem assegurado o direito de se candidatar e, provavelmente, de se eleger outra vez. A elite, talvez ele tenha comentado na visita ao presidente, não se conforma mesmo com um presidente operário e um nordestino militante como ele, de sotaque e tudo.
Alguém tem de prender e arrebentar essa elite, é a conclusão a que venho chegando. Ela já está indo longe demais com esse negócio de sabotar o governo Lula e brasileiros típicos como o futuro deputado Severino. Em primeiro lugar, a elite financeira, os bancos, muitos dos quais se dão tão mal que nem imposto de renda pagam, têm os maiores lucros de sua história, ou seja, a economia vai esplendidamente. Devem estar chateadíssimos com essa situação. A elite política tem no seu topo eles mesmos, isso é coisa que se faça? O FMI nos cobre de elogios, ostentamos um belo perfil internacional e um líder carismático e decidido, sempre na frente de combate. Mas a elite não engole estar se dando tão bem com esse governo, deve ter medo de ser feliz. Mentira, mentira, mentira, como disse o ex-deputado e futuro deputado Severino.
Entrevista:O Estado inteligente
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