Os políticos que se desfiliaram do PT são tão insensíveis à deterioração moral do partido quanto aqueles que permaneceram na legenda. Nenhum deles manifestou repulsa pelos métodos que achincalharam o governo e o Congresso. No máximo, reclamaram que o Campo Majoritário, nas eleições internas do partido, tratou os militantes como rebanho no curral. Mas todos - com a exceção de Hélio Bicudo - apresentaram argumentos ideológicos para justificar sua dissidência.
Fica claro, assim, por que foi tão fácil montar, no partido que se vangloriava de ser o baluarte da moralidade pública, um elaborado esquema de compra e aluguel de votos e fidelidades. Os militantes não estavam e não estão preocupados com isso.
Plínio de Arruda Sampaio, por exemplo, refere-se de passagem à crise moral do partido que ajudou a fundar, num artigo publicado na Folha de S. Paulo. Fala na "trágica crise que se abateu sobre o partido e seu governo" e muda rapidamente de assunto. Hélio Bicudo, outro fundador, vai um pouco além, falando dos "casos de corrupção dentro do governo e se estendendo pelo Parlamento". Mas, se estivesse francamente abalado pelos métodos mafiosos usados pelo partido para obter e conservar o poder, não teria esperado desde 1995, em silêncio obsequioso, para revelar de que forma o então presidente do partido, Luiz Inácio Lula da Silva, se recusou a dar seguimento às apurações da comissão, integrada por ele, que investigou as denúncias de corrupção interna feitas pelo militante Paulo Tarso Venceslau, que de acusador passou a réu e foi expulso do PT, permanecendo ileso o advogado Roberto Teixeira.
A debandada se dá, como explicou Plínio de Arruda Sampaio, porque "o partido se rendeu ao neoliberalismo. Não foi, como se alega, uma tática de transição. Lula e a cúpula petista convenceram-se de que a receita neoliberal de estabilidade do mercado a qualquer custo, de abertura comercial, de terceirização e privilégios aos investidores estrangeiros é o melhor que se pode fazer para o Brasil". Recorda ele que ingressou no Partido dos Trabalhadores porque ali via "um programa de construção do socialismo democrático; preponderância de gente do povo entre seus fundadores; subordinação da cúpula partidária às decisões dos núcleos de base" - e essas características não existem mais.
Mas o Partido dos Trabalhadores não se transformou no que é da noite para o dia. Quando, seis meses antes das eleições presidenciais de 2002, a cúpula partidária - que já havia contratado o marqueteiro Duda Mendonça e estabelecido a política de alianças, repudiada em eleições anteriores - decidiu mudar a orientação da campanha, comprometendo o PT com a estabilidade monetária, os socialistas "genuínos" que agora abandonam o barco não se rebelaram. Sabiam, como todos os demais petistas, que essa era a única maneira de vencer as resistências do eleitorado à candidatura Lula e não deitaram a perder a oportunidade única de chegar ao poder. Nisso, não se distinguem dos sobas do Campo Majoritário, a quem acusam pela desfiguração do PT: para todos eles, na conquista e manutenção do poder vale tudo. Para uns, valia o estelionato eleitoral, pois imaginavam que, uma vez no Palácio do Planalto, Lula renegaria as promessas da Carta aos brasileiros. Para outros, valeu a mais completa conspurcação dos costumes políticos de que este país teve conhecimento.