O Palácio do Planalto venceu o embate com a oposição, emplacou na presidência da Câmara um nome de sua confiança e arrefeceu as lembranças do fiasco da derrota de dois petistas para Severino Cavalcanti, em fevereiro. Há, contudo, tantas razões para o governo comemorar quanto motivos para o país preocupar-se com o feito de ontem. São inquietantes, afinal, os indícios de que o governo, o Congresso e a sociedade brasileira pagarão um preço alto pela condução do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-AL) ao terceiro posto mais importante da República. Em vez de bancar uma solução institucional, fruto de um esperado consenso entre governistas e oposicionistas depois de meses tumultuados, a coordenação política do presidente Lula lançou um candidato sem votos e apostou que, das múltiplas divisões, surgiria a vitória.
Pois surgiu. O prêmio governista, porém, foi obtido por meio de métodos odiosos de negociação, evidenciados até os últimos momentos anteriores à votação da Câmara. Um jogo pesado de convencimento sobre os parlamentares: liberação de emendas para os deputados e promessa de verbas para os ministérios de aliados relutantes. Integrantes do governo viram-se ameaçados de perder cargos. Fiéis seguidores ouviram a boa notícia de que serão agraciados com recursos adicionais, enquanto os partidos do mensalão engordarão suas contas com a barganha promovida pelo Planalto. Velhas e tristes práticas - o preço de uma base parlamentar em frangalhos, um governo sem agenda, um partido corroído pela crise, uma coordenação política arrogante e truculenta, disposta a gestos criminosos para cooptar adesões, e atores de lado a lado viciados no negócio de compra e venda de apoios. Aldo Rebelo fez por merecer o prêmio. Mas o recebeu por meio do único jeito que o governo pôde conquistá-lo.
Entre Aldo e José Thomaz Nonô (PFL-AL), não há dúvida dos méritos da primeira opção. O ex-ministro de Lula é também, individualmente, melhor do que Severino. Mas a ele está colada a certeza de que tem sido um fiel condutor das intenções do Planalto. Em 2003, foi líder do governo para aprovar uma reforma da Previdência com a qual nunca chegou a concordar. No ano passado, quando o então chefe da Casa Civil José Dirceu caiu em desgraça por causa do escândalo Waldomiro Diniz, assumiu a Coordenação Política para fazer de conta que as tensas relações com o Congresso haviam ganhado melhores feições. Aldo foi correto mas irrelevante no trato com o Legislativo - uma vez que a sombra de Dirceu ainda se espalhava pelos corredores e gabinetes da Câmara e do Senado. Enxotado do posto este ano, retornou à Câmara e foi testemunha de defesa de Dirceu no Conselho de Ética.
Com tais credenciais, o Planalto está convicto de que tem um aliado sem par à frente do outro Poder. Igualmente aliviados encontram-se os governistas à espera da cassação - cujos processos serão comandados pelo vitorioso de ontem. É grave que boa parte dos parceiros do governo apresente vários líderes com a corda no pescoço. A partir de agora, portanto, e até o fim do mandato de Lula, terá a missão de desfazer a suspeita de que confundirá os papéis de aliado do Planalto e presidente da Câmara - de quem se espera independência, responsabilidade, prudência, honestidade e competência para ajudar o Congresso a apagar a desconfiança popular. Ao governo, convém trabalhar para limpar os escombros deixados pelo furacão que devastou seus domínios políticos e recompor uma mínima agenda de projetos relevantes para o país. E os brasileiros, bestializados, terão nas eleições do próximo ano a oportunidade de julgar o que se fez e o que se fará em Brasília.