FOLHA DE S PAULO
A gravidade da atual conjuntura política induz à comparação com crises anteriores, da mesma forma em que medimos a força destruidora de Katrina e Rita. A crise de 1964, que culminou com a deposição de João Goulart, é uma referência natural. Não surpreende que as circunstâncias sejam muito distintas depois de mais de quatro décadas. Mas os contrastes são instrutivos. A economia complicou as coisas para Goulart, mas pode ajudar nos próximos meses e atenuar os problemas até o final do governo Lula.
O ritmo dos acontecimentos tem sido alucinante nos últimos sete meses. A crise começou um pouco depois, com a revelação de corrupção nos Correios, mas o início do reinado de Severino na Câmara pode ser tomado como um sinal de alerta de que um furacão de categoria 5 se aproximava de Brasília.
Os anos 60 não foram menos emocionantes, embora tudo fosse mais lento em um mundo sem internet e celulares e em um Brasil que acompanhava os jogos da Copa do Chile de 1962 pelo rádio. Jânio Quadros renunciou à Presidência da República em 25 de agosto de 1961, menos de sete meses depois de sua posse, período 14 dias mais longo que o reinado de Severino.
O então presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a Presidência da República por 14 dias, até que se negociasse com as Forças Armadas a posse do vice-presidente eleito João Goulart, que se encontrava em viagem à China. Jango tomou posse em 7 de setembro sob um regime parlamentarista. Era a solução de compromisso que duraria apenas 17 meses, o suficiente para ter três primeiros-ministros. Um plebiscito em 6 de janeiro de 1963 reconduziu o país ao presidencialismo. Quinze meses depois, o golpe militar de 1964 suprimiria as liberdades democráticas por 20 anos.
A economia constrangeu as ações do governo Goulart em vários sentidos. A inflação, medida pelo IPC-Fipe, que já vinha crescendo desde o governo Juscelino, atingiu mais de 80,5% em 1963 e 86% em 1964. Desde a renúncia de Jânio Quadros, a renegociação da dívida externa com o Fundo Monetário Internacional persistia em impasse. As exportações cresciam a taxas medíocres, e a economia era estruturalmente fechada: o volume de comércio exterior representava cerca de 11% do PIB em 1963/64. Não havia mobilidade de capitais de curto prazo, muito menos um mercado secundário de títulos de dívida soberana.
Em contraste com a economia de Goulart, a de Lula tem sido generosa. O mesmo IPC da Fipe deve fechar 2005 em menos de 5%. A ata do Copom divulgada nesta quinta-feira projetou taxa de inflação inferior à meta de 5,1%. Graças à expansão da economia mundial, o saldo comercial deve chegar a US$ 42 bilhões em 2005, e o superávit em transações correntes, registrar cerca de 2% do PIB. O grau de abertura da economia na atualidade é de 27%. A despeito da sucessão de escândalos na esfera política, os investidores continuam dispostos a "comprar Brasil".
Diferentemente do período Goulart, nenhuma força política relevante conspira contra a democracia. Um cenário de volta ao autoritarismo pode ser descartado, e isso é uma excelente notícia.
Mas talvez os efeitos da crise política atual sejam igualmente devastadores, embora menos visíveis. A qualidade da democracia pode ser duramente afetada. Preocupa a descrença em relação aos pilares do sistema a representativo. É assustador constatar que, de acordo com dados do Ibope, apenas 8% das pessoas confiam nos políticos e 10% e 15% confiam nos partidos e na Câmara dos Deputados, respectivamente.
Tal fato mostra apenas uma parte do problema. A paralisia do Executivo e do Legislativo impede que providências cruciais sejam adotadas nas mais diferentes áreas de política pública. Enquanto a conjuntura mundial é favorável, nada mais grave acontece. Os indicadores de curto prazo continuam positivos. O custo se resume ao país crescer algo como um terço do que a média dos emergentes. No longo prazo, contudo, criam-se novas dificuldades para conciliar a plenitude democrática com crescimento sustentado.
Entrevista:O Estado inteligente
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