Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 15, 2005

MIRIAM LEITÃO Juros e política

o globo

O Copom derrubou os juros depois de 17 meses, período em que recebeu críticas e pressões, e, quando o fez, foi num dos piores dias da política brasileira. Dia em que o presidente da Câmara teve de se esconder; em que o histriônico Roberto Jefferson estava sendo cassado e era, ao mesmo tempo, aplaudido na Câmara e em que um outro membro do ex-núcleo duro estava sendo inquirido numa das CPIs.
Talvez por olhar a política, o Copom tenha derrubado a taxa em apenas 0,25 ponto percentual. Mas nestes 17 meses, o aperto monetário conduzido pelo Banco Central com firmeza — talvez excessiva — consolidou a situação que permite a queda dos juros. Na conjuntura econômica, todas as contas, todos os índices, todas as formas de ver a inflação mostram que os preços em 2005 estão sob controle e o índice caminha rapidamente para a meta. Uma conta feita pelo Bradesco: a inflação acumulada dos últimos três meses, se for anualizada, dá 3%. Como os preços por atacado caíram muito mais que o imaginado, é possível que a inflação caia ainda mais. Os cenários econômicos para os próximos meses são de pouca pressão inflacionária — ainda que já seja esperado que, na próxima divulgação do Focus, haja uma pequena elevação da previsão. Será efeito da gasolina, mas a tendência é, sem dúvida, de queda. Pelos dados econômicos, o Banco Central poderia ter derrubado mais a taxa de juros. O mercado prevê uma Selic de 18% em dezembro, o que significa que, nas próximas três reuniões, deveria haver meio ponto de corte em cada uma.


Se algum desavisado desembarcasse ontem no Brasil, certamente acharia este um país muito esquisito. Roberto Jefferson no banco dos réus não porque confessou ter recebido R$ 4 milhões de dinheiro sem origem definida, não tê-lo declarado, nem ter comprovado seu gasto; não pelo que confessou de tráfico de influência no IRB, na Caixa. Mas a grande razão do pedido de cassação era ter feito acusação sem prova.

Bom, desde o dia em que Roberto Jefferson deu a primeira entrevista à jornalista Renata Lo Prete, da "Folha de S.Paulo", o país naufraga em provas. Provas, indícios, documentos, contas e até cuecas surgiram de todos os lados. Derrubaram o ministro mais poderoso da República; desmontaram o núcleo duro no governo; provocaram demissão de estatais, na administração direta; devastaram o Campo Majoritário; revelaram o chocante valerioduto, contas ilegais no exterior; encurralaram o presidente da Câmara dos Deputados e puseram 18 outros deputados na lista de cassáveis. Se isso é acusação sem prova, imagine o que seria uma acusação com prova? O decoro parlamentar ele feriu, sem dúvida, mas não pelo que disse sobre o mensalão. Era o caso de atacar a pessoa certa pela razão errada.

Ontem, nos estertores do caso, Roberto Jefferson, já sem munição, delirava atirando a esmo algumas acusações completamente sem nexo. Mas as acusações que fez de que havia pagamento a deputados, um esquema de financiamento paralelo através do publicitário Marcos Valério, caixa dois no PT administrada por Delúbio Soares ficaram comprovadas ao longo das várias sessões das CPIs.

Ontem foi um dia esquisito. O Copom reunido para tomar uma decisão tão aguardada e todos os olhos do país grudados no que se passava na Câmara dos Deputados. Quem andou pela rua, pegou táxi, conversou com pessoas constatou que havia um único assunto possível: a crise política. Os motoristas de táxi do Rio, sempre falantes, apenas ouviam. Sabiam de cada detalhe, como o do aparecimento do cheque endossado pela funcionária do gabinete do presidente da Câmara.

A política nos próximos meses continuará cada vez mais quente. Até onde vai esta crise? Numa entrevista que fiz ontem com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, no programa "Espaço Aberto", ele disse que não acredita, neste momento, em impeachment do presidente Lula, mas acha que esta não é uma crise apenas do Congresso, mas, sim, do governo. Alckmin não hesitou quando perguntei se, na opinião dele, Lula sabia:

— Claro que sabia.

A economia, nos próximos meses, só tende a melhorar. Os IGPs muito baixos vão permitir IPCs mais baixos. Há parcelas nas tarifas de energia que eram temporárias e vão ser retiradas dos preços. Por isso, os preços administrados, que vêm sendo os grandes vilões desde 99, não devem sê-los nos próximos meses. O único ponto de risco é o petróleo, mas o ajuste já foi feito.

A queda da inflação vai elevar a renda nos próximos meses. No fim do ano, por razões sazonais, o nível de emprego deve subir. Como houve uma desaceleração da atividade, não há risco de que a melhoria do consumo pressione a inflação. O cenário poderia ser de tranqüila recuperação e de sustentável aumento do nível de atividade, com gradual queda da taxa de juros.

Difícil é achar que, no Brasil, política e economia poderão divergir assim tão completamente, funcionando como se estivessem em mundos paralelos. Certamente, neste momento, a tensão política está minando a saúde da economia, retraindo consumidores e investidores e aumentando a cautela do já cauteloso Banco Central.


Arquivo do blog