O objetivo central dos grevistas é o de ampliar os recursos que o governo do Estado destina às suas três universidades, um grupo que também inclui a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente, esses recursos alcançam 9,57% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e com muita razão o governador Geraldo Alckmin vetou emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada pela Assembléia Legislativa, que elevaria esse porcentual para 10%, ampliando também, de 30% para 31% da arrecadação tributária, os recursos destinados à educação em geral, outra mudança também reivindicada pelos grevistas.
O movimento sustenta-se numa motivação aparentemente meritória, a de ampliar os gastos públicos em educação. Entretanto, o mérito só aparece quando, como querem os grevistas, a educação é tomada no seu todo e isoladamente de outras necessidades sociais. O governo estadual já investe em educação parcela importante de seus recursos e vincular fração adicional da receita para essa finalidade significaria reduzir o quinhão de outras áreas igualmente prioritárias, como saúde, segurança e infra-estrutura.
O argumento dos grevistas é ainda mais frágil no que diz respeito a mais verbas para as universidades estaduais. Se elas levassem mais 0,43% da arrecadação estadual de ICMS, seriam particularmente aquinhoadas relativamente aos recursos de que já dispõem. No contexto de uma política social bem fundamentada, contudo, não há como sustentar a prioridade do ensino superior relativamente aos níveis fundamental e médio.
A propósito, no mesmo dia em que eclodiu a greve assisti a um seminário sobre políticas sociais organizado pelo Instituto Fernand Braudel, associado à Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). Esse evento teve como convidado especial o professor Peter Lindert, da Universidade da Califórnia (EUA), um historiador econômico reconhecido internacionalmente como especialista em políticas sociais.
Numa de suas intervenções, voltada para a educação e intitulada O Brasil no Espelho Mundial, Lindert apresentou dados que confirmam a visão de pesquisadores brasileiros. Há tempos estes apontam o desequilíbrio entre os gastos públicos do País conforme o nível de ensino, o que configura uma situação que favorece o ensino superior. Lindert comparou essa realidade à de outros países. Nessa linha, os dados mostram que no final da década passada os gastos públicos por estudante do ensino fundamental no Brasil correspondiam a 14% do produto interno bruto (PIB) per capita, enquanto no ensino superior alcançavam 195% desse mesmo PIB. Ou seja, quase 14 vezes o que é gasto por aluno do ensino fundamental. No ensino superior a média dos gastos públicos por aluno de países em desenvolvimento era de 95% de seu PIB per capita e, assim, bem mais baixa que a porcentagem mostrada pelo Brasil.
E mais: tomando as médias da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), um grupo de 30 países em que predominam os mais ricos do mundo, essas porcentagens eram de 19% no ensino fundamental e 44% no superior. Portanto, bem mais equilibradas que as dos países em desenvolvimento, particularmente o nosso.
Lindert mostrou ainda dados internacionais que revelam ser a taxa de retorno social do investimento em ensino fundamental maior que a do ensino médio e esta maior que a do ensino superior. Também assinalou os grandes progressos que o Brasil vem alcançando na ampliação dos dois primeiros níveis de ensino público, mas são avanços que ainda deixam muito a desejar, em particular no seu aspecto qualitativo.
Em seguida, pôs o dedo na ferida ao enfatizar que aqui, como em muitos outros países em desenvolvimento, o desequilíbrio dos gastos públicos por nível de ensino ocorre em larga medida porque as elites exercem forte poder sobre as políticas públicas da área. Como resultado, freqüentemente influenciaram e ainda influenciam a distribuição de recursos públicos segundo seu próprio interesse, o que é particularmente verdadeiro no caso da alta prioridade dada no passado à educação superior pública no Brasil.
Além disso, o fato de os gastos públicos sociais não beneficiarem devidamente os mais pobres é agravado porque o sistema tributário que os financia se assenta principalmente em impostos indiretos, de caráter regressivo em relação à renda, pois os mais pobres gastam em bens e serviços tributados com impostos desse tipo uma proporção maior de seus rendimentos do que as classes de renda mais alta. A educação superior pública paulista é bem ilustrativa dessa distorção, pois é custeada com um imposto indireto, o ICMS, e dela se beneficiam com maior intensidade os estudantes originários dessas classes.
Ainda que essas percepções não constituam novidade para especialistas brasileiros, é importante difundi-las ainda mais e ver nosso país no espelho internacional. Nessa linha, os professores grevistas - que integram as elites nacionais - deveriam mirar-se num espelho que refletisse a injustiça social que configura seu pleito nessa greve.
Já os funcionários deveriam olhar-se num outro, que mostrasse o uso da categoria como massa de manobra nessa greve mal pensada. Em particular, deveriam levar em conta, no passado ou no presente, a sua falta de acesso ao ensino das universidades onde trabalham e a baixa probabilidade de que seus filhos venham a passar por elas, em particular nas faculdades que conduzem às carreiras de maiores rendimentos e prestígio social.