Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 24, 2005

A Casa não percebeu a gravidade da crise

VEJA
Congresso

Tal como era antes...?

Encerrada a era Severino, a Câmara
tem tudo para recuperar-se perante
a opinião pública, mas parece titubear


Otávio Cabral


Ana Araujo
HORA DA TRUCULÊNCIA
Seguranças esvaziam as galerias da Câmara: show de brutalidade que deixou três estudantes feridos


A cassação de Roberto Jefferson e a renúncia de Severino Cavalcanti, analisadas em conjunto, podem dar a impressão de que a Câmara dos Deputados percebeu a gravidade da crise em que se meteu – e está ocupada em exorcizá-la, livrando-se dos envolvidos no mensalão e no mensalinho. Porém, examinando-se os bastidores da sucessão de Severino, cuja renúncia encerrou um brevíssimo reinado de 219 dias no comando da Câmara, constata-se que a maioria dos deputados ainda não entendeu quase nada. A começar pelas vaias. Assim que Severino encerrou o discurso de renúncia, as galerias, ocupadas por estudantes da Universidade de Brasília, vieram abaixo. "Vai embora, Severino! Corrupto! Já vai tarde!" O plenário calou-se. Os deputados ficaram atônitos, perplexos. Olhavam na direção das galerias e, estupefatos, pareciam ver extraterrestres. Só ali, debaixo de vaias e insultos, parte dos deputados parece ter sido informada de que existe uma repulsa das ruas. Outro exemplo de que a maioria não compreendeu a dureza da crise está na forma – pequena, mesquinha, paroquial – como está sendo discutida a sucessão de Severino.

A eleição, que deverá ser feita nesta quarta-feira, exibe um clima de vale-tudo tão debochado quanto aquele que antecedeu a escolha do próprio Severino, em fevereiro passado. "E numa campanha com tantos candidatos, representando interesses tão heterodoxos, é grande a chance de ser eleita uma reencarnação de Severino, com outro nome mas com o mesmo DNA", diz José Carlos Aleluia, do PFL baiano, que desistiu de sua própria candidatura em favor de José Thomaz Nonô, o preferido de pefelistas e tucanos. O PT, desnorteado pelo mensalão, ensaiou uma reprise dos mesmos erros que resultaram no fiasco da candidatura de Luiz Eduardo Greenhalgh, derrotado pelo agora ex-deputado Severino Cavalcanti. Naquela ocasião, o petista Virgílio Guimarães lançou sua candidatura avulsa, enquanto o PT insistiu com Greenhalgh, ignorando as evidências de que bancava uma candidatura sentenciada ao fracasso. Agora, a mesma coisa: Virgílio Guimarães é candidato avulso de novo e o PT chegou a pensar em concorrer com Arlindo Chinaglia, líder do governo na Câmara – mas, felizmente, percebeu a tempo a latente repulsa da Casa ao PT governista, do qual Chinaglia é integrante ilustre. O deputado renunciou à sua candidatura.

Dida Sampaio/AE
COM HERANÇA
Severino já se foi, mas deixou seguidores: eles querem continuar a obra do deposto


Até o presidente Lula percebeu que a viabilidade política de eleger um petista da gema como sucessor de Severino é remota e talvez fosse até perigosa. "Se insistirem em um candidato do PT, vocês vão cometer o mesmo erro de fevereiro e entregar a Câmara à oposição", alertou o presidente, numa reunião com estrelas petistas, na Granja do Torto. Lula, desde a semana passada, vem defendendo abertamente nomes ligados ao governo, mas não ao PT, como os ex-ministros Aldo Rebelo (PCdoB) e Eduardo Campos (PSB). A candidatura de Aldo Rebelo é, até agora, a mais promissora nas fileiras oficiais – e Chinaglia renunciou em favor de Aldo. A percepção de Lula mostra que o presidente tem alguma clareza sobre os humores dentro da Câmara, mas também pode ser apenas parte do desprezo com que tem tratado seu partido. O melhor exemplo aconteceu no dia 18, quando os militantes do PT foram às urnas escolher sua nova direção na eleição mais delicada da história do partido – e Lula preferiu ficar à frente da televisão, em seu apartamento em São Bernardo, assistindo à vitória do Corinthians sobre o Figueirense. No dia seguinte, indagado sobre a eleição no PT, Lula respondeu: "Perguntas, hoje, só sobre o Corinthians". Golaço, não?

A crise da Câmara, que começou com as denúncias do mensalão da base governista e culminou com o mensalinho de Severino, macula claramente a imagem da instituição, e não apenas a de seus integrantes. Por isso, a superação da crise requer que se escolha como novo presidente da Casa um nome que inspire certa nobreza, certa altivez de quem vê a grandeza da crise. Em vez disso, a maioria dos deputados está freneticamente ocupada em fazer arranjos de paróquia, seja para lhes dar quinze minutos de fama individual, seja para colocar sua legenda numa poltrona mais confortável para a eleição presidencial de 2006. Atrás de fama estão candidatos como o deputado Luiz Antonio Fleury, que mesmo sendo do PTB – justo o PTB de Roberto Jefferson – acha que tem chances de presidir a Câmara. Na outra ponta, querendo vitaminar as chances de sua legenda em 2006, estão candidatos como José Thomaz Nonô e Michel Temer, do PMDB. Temer quer presidir a Câmara, posto que ocupou de 1997 a 2000, julgando que não há constrangimento no fato de ter sido ele quem indicou João Henrique Sousa para presidir os Correios – sob cuja gestão se espraiou a roubalheira que serviu de estopim para a crise atual.

Joedson Alves/AE
APOSTA NO ESQUECIMENTO
Michel Temer, nome do PMDB: ele acha que ter indicado o chefe dos Correios não tem importância


Como prova de que a crise só ensina algo para quem quer aprender algo, há deputados do baixo clero, estrato de origem de Severino, empenhados em suceder seu rei deposto para continuar sua obra. Há dois notórios candidatos nesse segmento. São eles: João Caldas, do PL de Alagoas, conhecido pela inquietação ideológica que lhe dificulta enormemente a permanência numa mesma legenda, e Ciro Nogueira, do PP do Piauí, afilhado de Severino e maestro do mais populoso festival de nepotismo da Câmara (emprega, ao que se sabe, nada menos que oito parentes na Casa). As negociações para a sucessão de Severino, portanto, se dão num plantel de deputados que só querem se projetar, ou só pensam em 2006. "Imagine quando todas essas negociações heterodoxas para eleger o presidente da Câmara forem reveladas. É capaz de o novo presidente durar menos que o Severino", ironiza o baiano Walter Pinheiro, da esquerda petista.

Há negociações à luz do dia, porém. Uma delas é capitaneada pelo ex-ministro Eduardo Campos, que vem procurando os candidatos mais sensatos para convencê-los a assinar um compromisso público com medidas moralizadoras. Quem assina o documento se compromete – se eleito – a tocar em frente o processo de cassação dos mensaleiros, auditar os contratos com prestadores de serviço à Câmara, combater as quadrilhas de deputados que usam comissões internas e CPIs para achacar possíveis envolvidos no assunto sob investigação e, por fim, colocar em votação projetos de interesse do país, e não apenas do governo. A perspectiva de ter uma Câmara comandada por um político comprometido com o país é uma notícia alvissareira. O grupo poderia começar evitando o espetáculo lamentável da semana passada, quando os seguranças da Casa foram chamados para esvaziar as galerias em rebeldia – e saíram espancando estudantes, dando chutes, pontapés e golpes de jiu-jítsu. Três universitários ficaram feridos. Um show de truculência contra aqueles que sempre foram a consciência da nação – os jovens.

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