o globo
Todo país tem problema político. A Alemanha, que os políticos brasileiros dizem ter o melhor sistema eleitoral, está num impasse eleitoral; a Itália, que passou por uma limpeza política que é o sonho de todo país envolvido em corrupção, é governada por Berlusconi e acaba de descobrir um estranho caso no Banco Central. Nos Estados Unidos, com 200 anos de democracia, o órgão que cuida de emergências era dirigido pelo ex-presidente da Associação Internacional do Cavalo Árabe, indicado por ter sido colega de quarto na universidade do antecessor no cargo.
Só caiu a ficha de que a indicação política do presidente da Fema, Agência Federal de Administração de Emergências, foi um erro quando cadáveres de negros pobres boiavam no Mississippi e mortos apodreciam nas ruas de Nova Orleans.
No Brasil, descobriu-se que administrar parques e jardins não qualifica ninguém para coordenar um hospital de excelência quando a indicação política para o Inca levou o hospital ao colapso com seis meses de governo Lula. Nos Estados Unidos, descobriu-se que criar cavalo árabe não qualifica ninguém para dirigir o socorro às vítimas de tragédias quando Nova Orleans estava destruída. A lição aqui e lá é que as indicações políticas, sempre defendidas como direito natural do vencedor das eleições, têm que ser limitadas pelo bom senso e pelo respeito aos cidadãos. Não somos os únicos a errar, mas, reconhecido esse ponto, é melhor constatar que certos fatos que aceitamos são inaceitáveis.
O que se pode dizer do Supremo Tribunal Federal mandando soltar o coronel Pantoja? Ele é condenado por massacre, com pena confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça. O Supremo, que trata de questões constitucionais, solta o coronel sob argumento de que ele pode ainda recorrer ao Supremo, portanto não esgotou todas as suas possibilidades de defesa. Isso posto, todos os presos com possibilidade de recurso deveriam ser igualmente soltos. Direitos constitucionais são de todos, não podem ser exclusividade do coronel Pantoja. O Supremo é o mesmo que soltou Cacciola que, em seguida, claro, fugiu para a Itália.
No estado da ministra do Meio Ambiente, onde morreu Chico Mendes, herói nacional, o ar está irrespirável há mais de um mês, nem é possível ver o céu azul. A fumaça das queimadas é tanta que há acreanos saindo às ruas com o rosto coberto por lenços.
No Congresso, já houve 237 trocas de partidos feitas por 146 deputados só nesta legislatura, mas uma reforma política que tramita na Câmara perdeu, em algum momento, o artigo que exigia fidelidade partidária.
Um escândalo político atingiu os dirigentes do PT, do PP, do PL, do PTB, mas o projeto de reforma política dá mais poder aos dirigentes partidários, entregando a eles o direito de escolher a hierarquia de uma lista na qual o eleitor passará a votar.
O partido que durante 20 anos se proclamou o dono da ética montou um caixa dois com dinheiro de origem obscura, mas, até agora, não teve nenhum deputado cassado e vai reeleger o mesmo grupo dirigente do partido. O tesoureiro que operou o caixa dois não foi expulso do partido, que ainda lhe paga o advogado.
O dinheiro público distribuído aos partidos virou festa. No PT, é usado para pagar despesas de viagem do presidente e de seus familiares, ou do marido da ex-prefeita de São Paulo. No PP, foi usado até para comprar revista Playboy. Mas os políticos querem convencer os contribuintes de que o financiamento público de campanhas será a solução final dos nossos problemas. Eles dizem que, se houver mais dinheiro público e uma lei proibindo dinheiro de empresário, acaba o caixa dois e toda a sujeira das campanhas.
O Rio tem estado na mais longa agonia de desgoverno de que se tem notícia no Brasil. A governadora foi eleita depois que o TSE — na pessoa do atual presidente do Supremo — decidiu que, apesar de ser a mulher do ex-governador, ela poderia se candidatar para o mandato seguinte, ainda que a lei vede isso aos parentes em geral. E foi eleita depois de dizer que estava servindo aos propósitos eleitorais do marido. Nisto foi coerente: não deu até agora qualquer demonstração de ter sido eleita para servir aos propósitos dos cidadãos do Rio. Na campanha de 2004, o casal rasgou todas as restrições impostas na lei eleitoral, mas ele, certo da impunidade, está em campanha para presidente usando diariamente a televisão, fingindo estar aconselhando casais.
Nos outros países existem crises. O presidente Bush, depois de errar muito no Katrina, tirou o emprego do rapaz do cavalo árabe e correu atrás do prejuízo do Rita. Os partidos na Alemanha negociam a formação de uma maioria. Na Itália, há tempos os escândalos não acabam em pizza. Aqui, só nos últimos dias, armas entregues na campanha de desarmamento sumiram, 2 milhões de reais de traficantes foram roubados dentro do prédio da Polícia Federal e, não suficiente tudo isso, um juiz de futebol foi flagrado tentando adulterar resultados de partidas para favorecer apostadores. Crises acontecem em todos os países, mas, no Brasil, temos tolerado o intolerável.
Entrevista:O Estado inteligente
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