Compelido a comentar a medonha expansão do Pântano do Planalto, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, troca o terno bem cortado pelo colete de agente da Polícia Federal. Com a agilidade de um craque dos tribunais, saca dos bolsos uma penca de números que fundamentam a tese reiteradamente enunciada: o Brasil tem hoje uma das melhores polícias federais domundo. É uma tese audaciosa.
O bom e velho FBI, por exemplo, vive às voltas com erros primários, pilantragens internas e desastrosas manifestações de incompetência: a mítica sigla ignorou os numerosos sinais de que estava em gestação o horror materializado por terroristas árabes em 11 de setembro de 2001.
Recentes intervenções cirúrgicas na veneranda Scotland Yard removeram vários focos infectados. Se ingleses e americanos seguem promovendo, periodicamente, faxinas do gênero, que milagre fora operado na polícia de elite do paraíso tropical dos corruptos?
Essa Polícia Federal de sonho (que ainda não desvendou o assalto ao Banco Central no Ceará, ocorrido há 45 dias) só existe na cabeça do ministro, do presidente e de governistas como a senadora Ideli Salvatti, um berreiro à procura de uma idéia. "Mais de 1.500 corruptos foram presos", grita Ideli de hora em hora. Ou gritava: engavetou a cantilena há exatamente sete dias.
A louvação dessa PF imaginária foi suspensa no fim da semana passada, quando sherloques nativos consumaram, no prédio da superintendência no Rio, uma espantosa operação clandestina. Dias antes, a Operação Caravelas (monitorada por especialistas americanos, como noticiou Marcia Peltier) desmontara a mais lucrativa vertente do narcotráfico no Brasil. A festa durou pouco.
Enquanto o governo e a cúpula da PF comemoravam, R$ 2 milhões sumiram de uma sala-cofre da sucursal carioca. A bolada de dólares e euros fora apreendida em casas e carros do bando que exportava cocaína escondida em pedaços de carne. Deveria estar no banco. O delegado que chefiava o plantão, engrossado por 59 agentes, preferiu deixá-la na sala- cofre. À espera dos larápios.
A PF inventada por Márcio demoraria 20 segundos para concluir que nenhum ladrão se infiltrara no prédio. Estavam lá dentro. Não furtaram a chave sob a guarda do escrivão. O parceiro entregou-a com o rosto sereno de cúmplice. Basta prender os participantes da Operação Caravelas e interrogá-los com a mesma metodologia aplicada a paisanos. Um estagiário do FBI já teria resolvido o caso. A esplêndida polícia de Márcio segue investigando irrelevâncias diversionistas.
"Foi mais uma da banda podre", resumem os agentes honestos da PF. Não são poucos. Graças à ala dos decentes, que vem crescendo sensivelmente, a Polícia Federal ficou melhor e mais eficaz. Mas é preciso amputar os muitos galhos nos quais se penduram ladrões de colete.
Em todas as operações, policiais corruptos enfiam nos bolsos, no momento do flagrante, quantias formidáveis. A droga apreendida logo volta ao mercado, vendida por agentes bandidos. Estimulados pela leniência dos chefes, agora ousam roubar em casa. Só cadeia resolve isso.
O som da fúria agita o Congresso
A principal descoberta da CPI dos Bingos foi de ordem capilar: Daniel Dantas ficou mais calvo pelo menos três anos. É essa, portanto, a idade das fotos publicadas pela imprensa antes da aparição no Congresso do banqueiro que administra, além do Opportunity, a mais cabeluda caixapreta do país. Os integrantes da CPI não descobriram nenhum segredo.
Talvez cansados de chamar inimigo de Vossa Excelência, partiram para a briga sem fronteira. O petista Eduardo Valverde acusou Heloísa Helena de ter votado contra a cassação de Luiz Estevão por dormir com o inimigo. A senadora do P-SOL acusou aquele "cabra safado" de pedófilo e freguês das orgias promovidas por Jeanny Mary Corner.
Poucos metros além, deputados que comemoravam em silêncio a renúncia de Severino Cavalcanti foram surpreendidos pelo grito vindo das galerias repletas de estudantes: "Vai embora, ladrão". A ordem para a evacuação foi cumprida a socos e pontapés pela turma da segurança. Nenhum agressor foi punido. Nenhum deputado será.
Devolvido ao Senado, o ex-ministro Romero Jucá anda com a agenda mansa: já não precisa dedicar 24 horas por dia à missão de salvar a Previdência Social. Já que agora lhe sobra tempo, o Cabôco pergunta se o fazendeiro do ar tem pensado em como acertar o empréstimo no Banco da Amazônia. De que modo pretende juntar os quase R$ 20 milhões que deve ao generoso Basa? Vai pagar em dinheiro ou com uma merecida temporada na cadeia?
Mau exemplo vai ao colégio
Onde anda Rodrigo Silveirinha?, quis saber domingo passado o Cabôco Perguntadô. Um leitor da coluna informa que o chefe da quadrilha dos fiscais ladrões comparece diariamente ao Colégio Cruzeiro, em Jacarepaguá, para buscar o filho que ali estuda. "O menino não pode ser punido por ter um pai corrupto, mas é realmente constrangedor conviver com essa afronta", pondera o leitor, cuja filha cursa o mesmo colégio.
Outro leitor escreveu para explicar por que o bandido milionário festejou fora da cadeia a chegada da primavera. Condenado em primeira instância, impetrou mandado de segurança para aguardar em liberdade o julgamento do recurso. Foi atendido por algum juiz que faz caridade em tribunais.
A tribo dos traídos
Entre maio e junho deste ano perturbador, 41 crianças indígenas morreram de fome. Descendiam de duas linhagens: guaranikaiowa e bororo. Centenas de sobreviventes engrossam a fila dos condenados. Muitos não conhecerão a adolescência.
Os que escaparem carregarão para sempre as marcas impostas pelo flagelo da subnutrição. As vítimas da incompetência dos governos e da ganância dos brancos viviam em Tekoha Sombrerito, no município de Sete Quedas, e Caiuá, perto de Dourados. Para desacelerar a matança, o governo enviou cestas básicas.
O socorro chegou a bordo da Kombi emprestada por um fazendeiro aos funcionários do Ministério da Saúde. O que ainda não chegou é o dinheiro que os figurões federais juram ter enviado ao escritório da Funasa em Mato Grosso do Sul. Foi desviado, alegam diretores do órgão. Quem cometeu o crime? Isso não sabem.
Diário MS Nem parecem interessados em saber. Ninguém foi demitido. A entidade não pediu ajuda à Polícia Federal ou ao Ministério Público. Lidam com tribos traídas. Em 2 de maio, o Diário Oficial da União divulgou a portaria que prometeu entregar R$ 523 mil mensais a prefeitos escalados para melhorar o atendimento aos indígenas.
O total da verba é inferior à despesa de campanha declarada ao TSE pelo ex-ministro Humberto Costa. Os 11 mil guaranis-kaiowas de Mato Grosso do Sul lutam pela vida à espera da ajuda de Lula e do governador Zeca do PT.
Essa ajuda não virá.
A proeza da pensadora
A filósofa Marilena Chauí tornou-se a primeira figura a conquistar a taça em duas semanas consecutivas. Chegou lá com a carta que escreveu a seus alunos para explicar a mudez diante da crise. Trecho:
"A mídia manda o seguinte recado: somos onipotentes e fazemos seu silêncio falar. Portanto, fale de uma vez!".
Bobagem, Marilena. Fique quieta à vontade. Ninguém vai reclamar.
Que se cale a voz da tortura
Terminada a era dos generais, a Câmara dos Deputados parece ter decidido que uma vaga – só uma – seria reservada ao representante dos torturadores. O primeiro a ocupála foi o coronel da reserva Erasmo Dias. No momento, o posto pertence a Jair Bolsonaro. Pouco importam o Estado que o elegeu e o partido que o abriga. Ele é o líder e único integrante da bancada dos brasileiros hidrófobos.
Durante o discurso de retorno ao Congresso, o ex-ministro José Dirceu foi provocado aos berros por Bolsonaro: "Comunista! Terrorista", gritava a voz da tortura. Isso pode. Inadmissível é infiltrar um torturador aposentado na platéia da CPI que interpelava José Genoino, uma das vítimas do velho criminoso. Isso não pode. Bolsonaro atropelou o decoro parlamentar. O que se espera para cassá-lo?
Ressurreição providencial
O senador Pedro Simon é o autor da ótima idéia: passar um pente-fino na papelada reunida pela CPI do Banestado, encerrada às pressas por uma aliança dos pusilânimes. O relator foi o deputado José Mentor, do PT paulista, hoje a caminho da cassação. O presidente foi o senador tucano Antero Paes de Barros. Os documentos produziram documentos muito diferentes.
A colisão frontal entre muitas conclusões apressou o enterro. Ninguém reclamou. É compreensível. Segundo um deputado que folheou a papelada, "sobra para todo mundo". Arranhada pela rede protetora estendida sobre Eduardo Azeredo, beneficiário do valerioduto em 1998, a imagem do PSDB melhoraria se ajudasse a ressuscitar uma CPI que tira o sono de muitos tucanos.