Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 13, 2005

O Brasil e a globalização Rubens Barbosa

o estado de s paulo

O 2º Congresso Internacional de Derivativos e Mercado Financeiro, organizado recentemente pela BM&F, ao lado de discussões altamente especializadas acompanhadas com interesse por mais de 700 participantes, propiciou um amplo debate sobre a inserção externa do Brasil no contexto do processo da globalização.

Os comentários de Paul Krugman, economista do MIT e de Princeton, e de Kenneth Rogoff, ex-economista chefe do FMI e agora professor em Harvard, abordaram temas de grande interesse e relevância para entender as principais tendências do cenário econômico internacional.

Krugman descreveu de forma direta o que chamou de situação estranha em que vivemos atualmente. De maneira pertinente, observou que o capital está fluindo para onde os retornos são menores, o que, por si, parece violar a lógica empresarial e econômica. Essa situação é decorrente dos desequilíbrios da economia dos EUA, com grandes déficits em transações correntes, baixa poupança pessoal e bolha especulativa no mercado imobiliário, estimulada por uma taxa de juros extremamente baixa. Do outro lado do mundo, a China, com seu câmbio desvalorizado, exportando e acumulando reservas de forma assustadora e com substanciais investimentos financeiros nos EUA. Essa situação pode parecer quase insustentável a médio e a longo prazos. Tudo isso em meio a uma escalada sem precedentes nos preços do petróleo.

Com relação ao Brasil, Krugman referiu-se à desigualdade social como um dos aspectos essenciais para o desenvolvimento brasileiro, a qual, para ser revertida, necessita de claras prioridades governamentais associadas a uma política econômica sólida em seus fundamentos.

Rogoff discutiu os desafios do novo sistema financeiro internacional e qual seria o modelo ideal na globalização. Observou que o crescimento de longo prazo da economia mundial segue uma tendência positiva e que as crises registradas recentemente foram bem mais curtas do que no passado. Os dados confirmam que o mundo vive hoje um ciclo de prosperidade da economia comparável ao observado nos períodos após a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais. Tanto a política monetária norteamericana quanto a eficiência para distribuir os efeitos do crescimento dos EUA pelo mundo do mercado financeiro podem ser apontadas como elementos catalisadores desse ciclo de crescimento e da velocidade de recuperação econômica, após cada crise. Como resultado da globalização, o mercado financeiro doméstico fundese com o externo, sendo ilusão achar que pode ser criada uma política somente para o setor doméstico. E apontou o terrorismo como o risco mais grave para a economia global. Em razão do terrorismo aumenta a possibilidade de os países recuarem da disposição de maior integração de suas economias e se fecharem, com a redução dos benefícios já obtidos.

No tocante ao Brasil, Rogoff assinalou que têm sido feitas reformas estruturais importantes e que o País vem colhendo os frutos de seu esforço. Mas, se o Brasil parar esse processo, cairá na estagnação, como ocorre hoje com o México. Torna-se, por isso, crucial continuar a melhora das condições econômicas internas, porque a situação ainda deixa o Brasil numa posição de vulnerabilidade e de risco.

Como debatedor da apresentação de Rogoff, fiz uma avaliação da crescente inserção externa do Brasil e dos avanços e retrocessos observados nas negociações multilaterais. E observei que a globalização envolve riscos e benefícios que devem ser mais bem avaliados em conjunto pela sociedade.

Assinalei que a análise atual parte da constatação de que o ambiente internacional é extremamente favorável: crescimento da economia internacional, expansão do comércio, da integração financeira, excesso de capital e baixa taxa de juros. Situação bastante similar ocorreu na década de 1990, o que não impediu sucessivas crises, como a do México em 1994, da Ásia em 1997 e da Rússia em 1998. Na década passada, a crescente livre movimentação de capitais, que hoje é considerada um ganho e um progresso, foi vista como um dos principais fatores da crise.

No caso do Brasil, a globalização aumenta ou reduz a vulnerabilidade externa? Qual seu impacto sobre o crescimento? Os indicadores da economia, sobretudo os da relação dívida/ PIB e dívida/exportações ainda não deixam o Brasil imune ou mais resistente à crise. É importante ressaltar que a globalização financeira, com a livre movimentação da conta de capital, apresenta aspectos muito positivos, que, no entanto, são transitórios. Assim, o investimento externo direto e os empréstimos governamentais se expandem com taxas de juros extremamente baixas, que poderão ser revertidas de forma brusca se uma crise internacional se materializar.

O setor externo da economia brasileira tem acompanhado essa tendência positiva e tem desempenhado um papel relevante quando se examina o comportamento recente da economia e sua vulnerabilidade.

O País tem, contudo, aproveitado parcialmente o cenário internacional favorável, por causa das ineficiências internas, do alto custo Brasil para as empresas, em decorrência da alta carga tributária e das deficiências logísticas, entre outras, além da indecorosa taxa de juros e de uma apreciação contrária aos interesses exportadores da taxa de câmbio. A taxa de crescimento da economia em 2005 será a menor da América Latina e bem inferior à que registram a China, a Índia e outros países emergentes.

Crescer ou crescer é a alternativa para a economia brasileira a fim de reduzir sua vulnerabilidade e as desigualdades sociais, num cenário em que, como acentua recente relatório da ONU, a globalização tende a reforçar a concentração de renda e as disparidades sociais.

Rubens Barbosa, consultor, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, foi embaixador do Brasil nos EUA e na Grã-Bretanha

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