Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 13, 2005

Xico Graziano Futuro do MST

o estado de s paulo

A derrocada do PT e o fracasso do governo Lula provocam uma dúvida angustiante na cabeça dos agricultores brasileiros: o que acontecerá com o MST? Ninguém arrisca uma resposta.

Surgido no final dos anos 1970, a partir de conflitos fundiários ocorridos no Rio Grande do Sul, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra se firmou, nacionalmente, durante o processo constituinte de 1988. Fez o contraponto ideológico com a então recém-criada União Democrática Ruralista (UDR).

A Nova República chegou carregada de esperança. Parecia que, com a redemocratização do País, as mazelas históricas, todas, seriam corrigidas. Derrubada a ditadura militar, viriam, finalmente, a justiça social e a distribuição de renda. A terra, concentrada desde o tempo das sesmarias, pertenceria a quem nela quisesse trabalhar.

O respiro da liberdade, entretanto, não ofereceu caminho fácil para o Céu. Na reforma agrária, um grande equívoco se cometeu. Os formuladores do plano agrário do governo Sarney trabalhavam com estatísticas suspeitas, que indicavam um fabuloso estoque de terras ociosas no País. Segundo o cadastro do Incra, os latifúndios ocupavam 70% da área agrícola, cerca de 410 milhões de hectares. Era falso.

Criou-se uma ilusão: a de que seria fácil assentar os trabalhadores. Os cálculos supunham distribuir terras para 6 milhões a 7 milhões de famílias. O plano do governo Sarney, todavia, considerando quatro anos de gestão, contentou-se com apenas (sic) 1,4 milhão de famílias. A esquerda comemorava o início da redenção dos miseráveis do campo.

Na prática, a teoria não se confirmava. As vistorias do Incra demoravam a localizar os imensos latifúndios. A maioria deles era selva bruta. Outros, imóveis grilados. Muitos estavam produtivos. Findo o governo Sarney, apenas 82 mil famílias acabaram assentadas, menos de 6% da meta estabelecida. A frustração deu gás ao radicalismo político do MST.

O fracasso da reforma agrária da Nova República acabou atribuído à reação política dos grandes fazendeiros. Mas, na verdade, a modernização da agricultura, operando desde os anos 1970, modificava profundamente o modo de produção no campo, capitalizando-o. Chegara ao fim a velha oligarquia, substituída progressivamente pelo empresariado rural. Sem perceber a mudança na produção, a esquerda manteve o velho discurso e partiu para o confronto. Perdeu feio.

Em 1989, Collor venceu as eleições. A regulamentação dos novos dispositivos constitucionais - as Leis Agrícola e Agrária - demorou três anos. Assumiu Itamar Franco. Durante esse interregno, o MST permaneceu quieto, como víbora se preparando para o bote. Na verdade, eles se preparavam para eleger Lula presidente em 1994. A vitória coube, porém, a Fernando Henrique.

Derrotado, o MST partiu para a ofensiva. Iniciou assim, em 1995, sua fase mais aguerrida, a das invasões de terra. Deram-lhe respaldo o PT e a Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica. Aumentaram os conflitos fundiários, estouraram as atrocidades da Polícia Militar em Corumbiara, em Rondônia, e em Parauapebas, no Pará. A mídia destacou o tema.

Durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, 500 mil famílias foram, no mínimo, assentadas em projetos de reforma agrária. Quanto mais se assentava, todavia, mais o MST, agora secundado pela Contag, a confederação oficial dos trabalhadores rurais, ficava nervoso. Paradoxalmente, a tensão no campo, ao invés de amainar, cresceu.

Ficava claro que o MST, que nascera, por assim dizer, puro, se transformara numa organização essencialmente política. Seu projeto de poder, de matiz revolucionária, buscava instalar no País uma economia camponesa autônoma, de caráter socialista. Sua estratégia exigia desgastar o governo tucano. E conseguiu.

Finalmente, o PT galgou o poder. À semelhança da Nova República, as expectativas se avolumaram. Novamente, ao contrário do que se aguardava, a reforma agrária empacou. Excluindo os assentados em vagas abertas nos projetos antigos, estima-se que menos de 50 mil famílias tenham recebido terras em recentes desapropriações. Um vexame petista.

Por fim, descobriu-se a podridão. Esfumaçou-se o valor ético que lustrava carapaça do PT. Derrotado pela sua própria gente, machucado no âmago de sua política, o MST perdeu o discurso e o rumo. Seus ideólogos estão zonzos. Chegou a hora de acertar contas com a realidade.

Intelectual que se preza faz autocrítica e supera o trauma. Cresce no processo. Já a camarilha, ou os boçais, diferentemente, por serem dogmáticos, tendem a seguir repetindo seus mantras até trombar com a História. É o que acontecerá com o comando dos sem-terra.

O MST está seguindo um ritual de passagem. Fez ato contra a corrupção, mas defendeu o presidente Lula. A razão é simples: centenas de convênios oficiais lhe colocam energia pura, quer dizer, recursos públicos, na veia. Fundos do exterior não mais regam as contas do MST. Se acabar a mamata por aqui, adeus revolução.

Não está na finança o desafio maior. Este reside na própria capacidade de submeter sua ação às normas do regime democrático. As invasões de fazendas apontam para o passado. O futuro do MST pertence à multidão de excluídos que cedeu ao encanto da terra prometida e agora, assentada, quer progredir na vida.

O árbitro da peleja entre o passado e o futuro do MST será a mídia. Se ela continuar tratando-o como "movimento social", ajudará a manter a máscara da organização. Se denunciar seu sectarismo, auxiliará sua evolução.

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