Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 13, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO As armadilhas de Severino


 

O ainda presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, exemplar paradigmático e líder inconteste do baixo clero da Câmara dos Deputados, parece possuído pelo que se pode denominar Síndrome de Sansão. Se tiver que perecer, quer derrubar sobre si as colunas do templo - no caso, a mais importante instituição parlamentar brasileira. É o que ficou claro na sua picaresca entrevista em que, depois de jurar inocência (com uma ressalva, como logo se verá), desafiou os líderes das bancadas da oposição a obstruir os trabalhos da Casa enquanto a estiver dirigindo, o que impediria a votação do pedido de cassação do deputado Roberto Jefferson, amanhã - o que os deixaria mal perante a opinião pública -, e, ao mesmo tempo, a cassar-lhe o mandato, única maneira de removê-lo do cargo. O líder pefelista José Carlos Aleluia definiu bem a atitude de Severino ao resumir a situação criada numa frase: "Vai ser uma guerra mantida por um homem insensato que só está pensando nele e não no Congresso."

Do ponto de vista institucional, a sua insensatez chega a ser criminosa, mas ninguém dirá de Severino que ele rasga nota de mil. Com a astúcia que ninguém lhe nega, ele praticamente coagiu o governo a apoiá-lo. Disse quase com todas as letras que não espera outra coisa do presidente Lula e do PT, pois o PP de que faz parte integra a base parlamentar do Planalto. Isso depois de um encontro de duas horas, na manhã de domingo, com o ministro de Relações Institucionais, Jaques Wagner. Na entrevista, beirando a grosseria com o jornalista que o inquiriu a respeito, o deputado se recusou a revelar qualquer coisa de concreto da reunião. Por sua vez, o ministro subiu ao muro. Mandou dizer que a questão "é interna corporis da Câmara" e que "o governo vai esperar a apuração da denúncia". Algo mais explícito foi o líder governista Arlindo Chinaglia. "Ele empenhou a palavra dele e é o presidente da Câmara", comentou, na contramão dos outros líderes. "O que vai conduzir esse processo são fatos e provas." Para que não se alegue que o que move a oposição é o interesse de conquistar a presidência da Mesa, seus líderes gostariam que o respectivo pedido ao Conselho de Ética fosse assinado ao menos também pelo PT.

De qualquer modo, em matéria de fatos e provas, todo o palavrório de Severino e o tom burlesco que procurou dar à coletiva de imprensa não bastaram para ungi-lo de insuspeição. Primeiro, porque não escapou aos observadores atentos a ressalva mencionada no início deste texto: depois de afirmar que é fraudulenta a principal evidência de que em 2002 e 2003 extorquiu o concessionário de um restaurante da Câmara - o papel com a sua assinatura que prorroga ilicitamente a concessão -, Severino declarou: "Não assinei, nem assinaria, de forma consciente, documento de tal conteúdo." O que significa que ele teme que um laudo sério sobre o documento ateste a sua autenticidade. O segundo motivo que mantém a corda no seu pescoço é um corolário desse primeiro: a principal peça da sua defesa, ou seja, o laudo firmado pelo perito Adamastor Nunes de Oliveira sobre o documento incriminador, cópia do qual foi publicada pela Veja (segundo o empresário que a entregou à Polícia Federal, o original ficou com Severino).

Pernambucano como ele e licenciado do Instituto de Criminalística do Estado, o perito produziu um laudo enxundioso, recheado de erros de português, pontilhado de divagações - e cuja conclusão inconclusiva foi lida por Severino: "...o documento possuem (sic) fortes indicativos de terem sido produzido (sic) por meio fraudulento carecendo de ser analisado no seu original para se obter resultado conclusivo quanto à sua autoria, autenticidade e demais questionamentos." Ou seja, como dissemos antes, o laudo não prova nada. Já o perito Celso del Picchia, a quem a Veja havia submetido o papel, não só não encontrou ali "nenhuma evidência de falsidade", como ainda atestou que a assinatura "está perfeita, firme, dinâmica". Sem falar que o deputado também pernambucano Gonzaga Patriota confessou ter redigido o documento, datado de abril de 2002 e autografado por Severino, então primeiro-secretário da Câmara.

Tudo considerado, o rumo das oposições só pode ser este: não cair nas armadilhas que Severino começou a preparar para elas, não desistir do processo no Conselho de Ética, não permitir que o futuro réu presida o seu próprio julgamento em plenário.


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