O GLOBO
Certos políticos parecem incapazes de entender qual a melhor forma de agir num momento de crise. Veja o caso do corregedor da Câmara dos Deputados, Ciro Nogueira. É óbvio que ele está impedido de julgar Severino Cavalcanti. Severino o indicou, tentou nomeá-lo ministro, os dois têm explícitas relações de amizade e, durante esta semana, falaram-se diariamente sobre o caso. Um não pode ser o juiz do outro; simples como isso.
O deputado Ciro Nogueira respondeu que saberá separar as coisas. Demonstra ter muita confiança em si mesmo; o que é uma tendência natural. Mas não é uma questão pessoal, nem subjetiva; tem que ser vista pelo ângulo institucional. Os cidadãos não têm que ter a mesma confiança em Ciro Nogueira que ele tem. Para isso é que se criam regras impessoais e objetivas.
As mulheres são sempre acusadas de não saber o que é impedimento em futebol. Há controvérsias. Mas o fato é que certos homens — ou pessoas públicas — demonstram não perceber quando estão impedidos. Por isso, o caso de Henrique Hargreaves é tão citado. Fez o natural, pareceu diferente.
Ao longo de toda esta crise, há uma falta de compreensão da fronteira entre o pessoal e o institucional. É claro que o melhor para o PT é que o ex-ministro-chefe da Casa Civil não dispute as próximas eleições partidárias. José Dirceu pode estar absolutamente convencido da própria inocência, ou de que é a melhor pessoa para conduzir os rumos do partido, mas não é uma questão pessoal. O PT está em crise; a pior da sua vida. A crise foi causada por pessoas que tinham a inteira confiança do ex-ministro, que sempre fizeram parte do seu grupo. Há uma ligação umbilical entre Delúbio Soares e José Dirceu. Enquanto o partido se reorganiza, cura as feridas, procura seu rumo, apura o que houve, o ex-ministro deveria cumprir o afastamento obsequioso. O militante José Dirceu tem muitos serviços prestados ao PT mas, neste momento, ele não agrega e, sim, divide um partido já excessivamente ferido. No PT muita gente gosta de recorrer ao passado de guerrilheiro para explicar a disposição de luta com que encara a situação presente. Mas o bom guerreiro é aquele que sabe para que está lutando; e não o que faz guerras pessoais.
Delúbio Soares, com todos os erros que cometeu, evidentemente, deveria se desfiliar do PT. Mas ele foi até a Justiça para suspender a votação da sua expulsão. Se ele mesmo declarou que fez caixa dois e este fato é tão grave que ameaça o partido, por que vai à Justiça para ficar no PT contra a vontade dos próprios companheiros?
O presidente Lula, obviamente, deveria ter dado uma entrevista coletiva desde o início deste processo. A entrevista não resolveria o problema, contudo é a forma democrática de agir. Os palanques e os pronunciamentos foram insuficientes. Por que o último pronunciamento não causou qualquer melhora na crise? Porque todo mundo sabe o que ele vai dizer. O roteiro está pronto: primeiro, elogios ao desempenho econômico; depois, elogios ao seu governo e depreciação dos anteriores; por fim, a garantia de que todos serão punidos. As contradições entre essa garantia e a realidade, as dúvidas sobre o grau de conhecimento que o presidente tinha de tudo isso, as inquietações, poderiam ser sanadas numa boa sessão de perguntas e respostas — livres e diretas — como tem que ser. O país já sabe o que Lula diz nos seus monólogos. Mas quer agora apresentar suas perguntas ao presidente. Não é nada contra Lula, não é prejulgamento, não é conspiração, é uma entrevista coletiva, canal corriqueiro de comunicação dos líderes democráticos com a população que ele governa.
Há um acúmulo de erros neste processo. Não existe razão alguma para que o procurador-geral da República não tenha concordado com a prisão do publicitário Marcos Valério quando ficou evidente que ele estava destruindo provas, instruindo testemunha e obstruindo a Justiça. Os restos queimados dos documentos da DNA e SMP&B foram indícios eloqüentes.
Além da dificuldade individual de compreensão do comportamento mais adequado em momentos de crise, há um colapso da compreensão coletiva do que efetivamente está em jogo. A Câmara dos Deputados ainda não entendeu o tamanho do terremoto que a engolfou e o que arrisca quando se preocupa apenas com a rede de intrigas entre pessoas, grupos ou partidos diferentes. Se 81% dos brasileiros ouvidos por uma pesquisa de instituto com boa metodologia dizem não confiar na Câmara, ela está no meio de uma crise como instituição. Simples como isso.
Nossos melhores políticos, de quaisquer partidos, precisam resgatar a imagem da Câmara. Não adianta chamar o publicitário; é preciso, sim, usar o bom senso e o patriotismo. A Casa tem que ser presidida por alguém que tenha estatura política e ética, que tenha força e autoridade, que seja capaz de liderar uma batalha institucional. O escolhido deve encarar isso não como um trampolim político, mas como a maior tarefa da sua vida política, o maior serviço que pode prestar à democracia brasileira, a missão de uma vida. Quando os holofotes focarem o escolhido, que ele tenha a sabedoria de entender que não é por ele que as luzes se acendem, não é para alimentar a própria vaidade, mas é o cargo que ele encarna que estará sob os olhos de toda a nação.
REGISTRAMOS aqui que Gerhard Schroeder era socialista. Ele, na realidade, é social-democrata, como nos lembrou um atento leitor da coluna.
Entrevista:O Estado inteligente
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