O GLOBO
O (ainda) presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, permanece entrincheirado em sua residência oficial em Brasília, mas exposto às maiores pressões políticas que se pode imaginar. Ninguém mais o procura disposto a apoiá-lo em uma resistência que pretendia, mas mostrou-se inviável politicamente. As pressões são, do lado do governo, para que renuncie ao mandato, permitindo que se abra a discussão da sucessão em cinco sessões.
Do lado da oposição, a pressão é no sentido de que se licencie para tratamento de saúde, caso em que o primeiro vice-presidente da Mesa, deputado pefelista José Thomaz Nonô assumiria a direção da Câmara durante o afastamento.
O mais provável é que Severino renuncie ao mandato, para garantir condições de se candidatar novamente em 2006. Se se licenciar, estará agradando ao PFL e ao PSDB, e deixando de lado o governo, o que certamente não é o seu objetivo. E o governo não aceita que o PFL assuma a Câmara por tempo indeterminado, receando que aproveite o período para tentar promover o impeachment do presidente Lula.
Os que defendem a licença de saúde, mesmo não sendo da oposição, trabalham com a idéia de construir uma saída que não signifique uma admissão de culpa, "uma saída piedosa, de quem não chuta cadáveres", na definição de um parlamentar envolvido na operação. Segundo esse raciocínio, esse é um problema que pode vir a se transformar em uma questão de estado.
O segundo homem na sucessão presidencial já teria mostrado que não está em condições de exercer o cargo, e ao insistir na permanência, deixaria o estado ao sabor da vontade de alguém que já não demonstra plena capacidade de tomar uma decisão compatível com o interesse público.
Foi lembrado o caso do deputado Ulysses Guimarães, que teve um problema de saúde presidindo uma sessão da Câmara, e teve que ser retirado discretamente do plenário pelo então deputado, hoje senador, Heráclito Fortes. Ulysses viajou para os Estados Unidos, onde médicos detectaram que estava tomando um remédio com dosagem excessiva, que estava lhe causando as confusões, à base de lítio. O paralelo só não se aplica no caso presente porque, recuperado, Ulysses reassumiu suas funções da presidência da Câmara. Severino não poderia fazê-lo.
Essa solução, praticamente descartada no fim do dia, poderia servir no primeiro momento a Severino, mas a longo prazo o impediria de retomar a carreira política, pois ficaria marcado como maluco ou, na melhor das hipóteses, um homem doente. Além disso, seria impossível chegar-se a um acordo político que esquecesse o pagamento de propina ao concessionário do restaurante da Câmara, parando assim o processo de cassação de seu mandato.
Diante da situação criada, o PT, segundo o deputado Miro Teixeira, considera que uma posição razoável é declarar que o cargo não está vago, e que, portanto, não há que se discutir o seu preenchimento, para frear as negociações que já vão longe nos bastidores da Câmara. O PT deseja também que lhe seja devolvida a presidência da Câmara, à qual se julga com direitos por ser a maior bancada. Garantido o que considera um direito seu, perdido em fevereiro de 2005 com a eleição de Severino Cavalcanti, o PT se dispõe a discutir nomes com os demais partidos.
A oposição não aceita esse raciocínio. Ao contrário, o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, diz que uma coisa é certa: o futuro presidente da Câmara não será do PT, no que é apoiado pelo PSDB. Segundo ele, "não podemos dar um hábeas-corpus preventivo para Lula. O presidente da Câmara tem poder monocrático de arquivar qualquer pedido de impedimento. Nós não estamos querendo pleitear o impedimento do presidente, mas não queremos ficar impossibilitados de pedi-lo se for o caso".
Mas uma candidatura que tenha condições de vitória tem que ser construída. A oposição tem como mais provável nome de consenso o presidente do PMDB, deputado Michel Temer, que já foi presidente da Câmara, nome que dificilmente o governo rejeitaria. Mas, enquanto não há uma decisão oficial, os dois partidos mantêm seus candidatos oficiais: pelo PSDB, o deputado Jutahy Junior; pelo PFL, o líder José Carlos Aleluia ou mesmo o vice-presidente José Thomaz Nonô, que tem bom trânsito na Casa e de quem o presidente do PFL diz que, com um mês de comando, se viabiliza como um candidato que, além da Câmara, terá o apoio da opinião pública.
Quem foi ministro do governo, como o deputado Eduardo Campos, do PSB, que até depôs como testemunha de José Dirceu, está liminarmente vetado pela oposição. Depois que o PT ficou em cima do muro e só aderiu ao movimento para destituição de Severino devido ao aparecimento do cheque comprovando a propina, perdeu mais uma vez a confiança da oposição, que se considera forte o suficiente para definir esses parâmetros para a sucessão.
Embora o PMDB tenha assumido a mesma posição, essa cautela pode servir, paradoxalmente, de demonstração de que o partido não está tão ligado à oposição, facilitando sua aceitação pelo governo. Há a preocupação de que essa disputa politizada não deságüe em mais uma luta interna que aprofunde a crise. A tentativa é para que um candidato de consenso comece um processo de resgate da credibilidade política da Câmara, utilizando o colégio de líderes como instrumento de decisões pactuadas pelos partidos.
Entrevista:O Estado inteligente
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