Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 16, 2005

LUÍS NASSIF As catarses e o poder da mídia

FOLHA DE S PAULO
No início do mês, completei 35 anos de jornalismo. Na quarta, fui honrado com o prêmio Colunista de Economia, Mídia Impressa, em eleição com 80 mil jornalistas usuários do portal "Comunique-se" -prêmio da coluna e da Folha. Escrevo aqui o que procurei passar aos colegas presentes ao encontro da premiação. Nesses anos todos, muita água rolou debaixo da ponte. Houve o período do deslumbramento com o "milagre", a resistência dos anos 80, a marcha das diretas. Depois, a imprensa se assumindo como poder de fato, na campanha do impeachment de Fernando Collor. De lá para cá, acirraram-se vários tipos de competição na mídia, setorialmente, entre jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão; depois, todos eles entre si, e também entre os próprios jornalistas, colunistas, comentaristas e âncoras. Se a visão de mercado, de um lado, aproximou a mídia dos chamados interesses difusos do público, por outro implantou um vale-tudo na competição. Desde o impeachment de Collor, a cada dois ou três anos passa-se por vendaval semelhante, um clima irracional que atropela tudo o que vê pela frente, sem compromisso com a objetividade jornalística, com o distanciamento, com a isenção, com o bom senso. O jornalismo de opinião é um dos quatro Poderes de uma democracia e tem algumas qualidades intrínsecas que não podem ser desrespeitadas: capacidade de análise, distanciamento crítico, isenção, senso de justiça, discernimento, respeito aos direitos individuais. A busca por público tem que se dar em cima desses parâmetros -o que exigirá criatividade, capacidade de inovação, visão diferenciada de pauta. A busca obsessiva por audiência acabou levando a armadilhas reiteradas. O leitor quer sangue? Dê-lhe sangue. Quer desrespeito aos processos institucionais? Ofereçam-lhe as sentenças capitais das matérias adjetivadas, em que não se dá ao acusado o direito de defesa e se escondem as provas. Há muitos indícios relevantes de práticas condenáveis a serem apurados no atual momento político. O problema é o método, pelo que tem de ineficiente -porque sem discernimento-, de antipedagógico -porque explora os mais baixos sentimentos da opinião pública-, e refuga a institucionalidade dos processos. Individualmente, nós, jornalistas, somos frutos de um mesmo padrão família brasileira classe média. O que acontece, então, nesses momentos de catarse, em que se passa a banalizar a honra alheia, a não calibrar o poder do qual o jornalista se investe? Há uma loucura coletiva que transforma a anormalidade em padrão, como se cada desvairado definisse o novo piso da catarse. Muitos jornalistas ingressam na profissão. Depois, há um funil que permite a poucos se destacarem. Parte do destaque se deve a mérito próprio. Parte mais relevante a oportunidades e circunstâncias. Não há nada mais revelador de caráter do que a arrogância e o deslumbramento com o poder provisório. Que o diga o próprio PT.

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