Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 16, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Apenas o começo


A quarta-feira deixou aos brasileiros um gosto de esperança. A cassação de Roberto Jefferson e a apresentação do corpo de delito que já permite falar de Severino Cavalcanti como ex-presidente da Câmara, se não ex-deputado, são marcos de uma caminhada na direção da luz que não se podia prever que chegasse tão longe quando, há 125 dias, a televisão mostrou um funcionário dos Correios embolsando três maços de reais. O presidente Lula disse uma vez, no curso da crise - marcada pelo consumo despudorado da mentira -, que o mentiroso nunca fica só numa mentira: uma puxa outra e assim por diante. O mesmo se aplica às verdades que as destroem: nestes quatro meses, cada nova descoberta facilitava a descoberta de mais uma, como as proverbiais partes dos quebra-cabeças que se encaixam sucessivamente.

Avançou-se bastante no desvendamento da podridão produzida pelo PT e pelo que Jefferson chamou, no seu discurso de defesa, o "mais corrupto" dos governos que conheceu em 23 anos de vida parlamentar. Vamos esperar que no fim desta crise se prove que exagerou. Mas o fato é que a sua avaliação não caiu como uma bomba porque as investigações em andamento já dissiparam qualquer dúvida sobre a extensão e a profundidade do delinqüencial projeto petista de poder. E seria injusto não creditar ao ex-presidente do PTB o desencadeamento da avalanche de revelações sob as quais poderá sucumbir até o presidente da República se ficar comprovado que ele, ao contrário do que disse o ainda deputado, sabe o que lê, sabe o que assina, sabe o que faz.

Jefferson é um Generale Della Rovere, o personagem imortalizado por Vittorio De Sica no clássico de 1959 de Roberto Rossellini. Na Gênova ocupada pelos alemães, um escroque que se fazia passar por coronel italiano é poupado do fuzilamento quando aceita encarnar um líder da resistência para conduzir a Gestapo a outros partisans. Mas o vilão se apaixona pelo personagem que representa e se alia a quem deveria trair, pagando por isso com a vida. Jefferson denunciou o mensalão por motivos menos do que nobres e pagou com o mandato não ter conseguido provar o pagamento mensal e sistemático do suborno a dezenas de deputados. Mas o que importa é que está provado que o PT de fato comprou votos para o governo, qualquer que tenha sido a periodicidade do espúrio negócio.

A cassação de Jefferson era certa. Mas não se esperava o comparecimento de 489 deputados - 95% da Casa - nem que a decisão fosse aprovada por 313 votos, 56 a mais do que o necessário. Mesmo os políticos que não exalam odor de santidade dessa vez entraram em sintonia com a sociedade, indicando que as punições poderão ir muito além disso. A possibilidade de chegar-se muito perto do "não deixar pedra sobre pedra" ganhou um impulso imprevisto com a denúncia do mensalinho. Foi uma coincidência auspiciosa o fato de o dia da cassação ter começado com a exibição de cópia do cheque que atestou a extorsão cometida (e pateticamente negada) por Severino Cavalcanti - que , assim, encerra como merecia a sua carreira de "pé-de-chinelo" da corrupção política.

É verdade que, também nesse dia, o saneamento da instituição parlamentar foi afetado por um ato do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, apontado como aspirante ao Planalto. Numa interferência, talvez politicamente motivada, nos assuntos do Legislativo, ele concedeu a 6 deputados do PT ameaçados de cassação uma liminar que adiará a abertura do processo contra eles no Conselho de Ética da Câmara, se o plenário do STF não cassá-la. José Dirceu já entrou com pedido do mesmo benefício e os 11 outros que lhe fazem companhia no relatório das CPIs devem se valer do mesmo estratagema.

Os percalços só aumentarão quanto maior for a disposição da banda sadia da Câmara de expurgar os políticos que não só se deixaram corromper pelo esquema petista, como também praticaram atos de corrupção em instâncias da administração federal direta e indireta. E quanto mais as apurações se voltarem para o Planalto, em busca da principal questão ainda por esclarecer de forma cabal: a origem da dinheirama gerida pela dupla Delúbio-Valério, sob orientação superior.

A esta altura, respeitados escrupulosamente os procedimentos indissociáveis do estado de direito, nada pode ser invocado para circunscrever as investigações. E nenhum gabinete da República deve ficar fora de seu alcance.

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