Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, setembro 12, 2005

IDH, concentraçãoe desenvolvimentoLUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

FOLHA DE S PAULO


Os brasileiros andam cabisbaixos, e com razão. Na política, o partido de esquerda comete um estelionato eleitoral como jamais se viu e, em seguida, vê-se mergulhado na mais grave crise de corrupção da história do país. Na economia, a traição dos compromissos eleitorais se espelha em taxa de crescimento muito inferior à dos outros países, não obstante a situação internacional altamente favorável, e na manutenção dos juros básicos em níveis estratosféricos, que implica uma transferência brutal de renda dos pobres e da classe média para os ricos.
Entretanto nem tudo são tristezas. Nossa democracia está forte, e tudo indica que a punição dos responsáveis pela corrupção acabará indo às últimas conseqüências. Além disso, a promessa de enfrentar a injustiça social, que foi feita solenemente por todos aqueles que lutaram pela democracia no início dos anos 80, está sendo cumprida. Os dados publicados na última semana, do Índice de Desenvolvimento Humano 2005 das Nações Unidas, confirmam esse fato.
Conforme assinalou Bobbio, a democracia se caracteriza por promessas não-cumpridas. A promessa de retomar o desenvolvimento, que estava paralisado desde 1980, não se confirmou a partir da transição democrática de 1985. Nos dez anos que se seguiram, a economia permaneceu semi-estagnada porque não conseguíamos superar a inflação inercial, nos 15 seguintes, porque não fomos capazes de nos reencontrar como nação e deixamos que os parâmetros de nossa política econômica fossem definidos por nossos concorrentes, adotando estratégia de endividamento externo e de altos juros básicos.
No plano social, entretanto, avançamos. Tomando-se apenas os dados do IDH 2005, verificamos que o Brasil é um país de "desenvolvimento humano médio", com índice 0,792, o que corresponde à 63ª colocação entre 177 países. Essa colocação está longe de ser satisfatória. Na América Latina, ficamos atrás da Argentina, do Chile, do Uruguai, da Costa Rica, de Cuba, do México e do Panamá. Mas, embora seja difícil fazer comparações no tempo, porque os critérios mudam ligeiramente e também muda o número de países, o Brasil tem melhorado tanto em relação ao valor do índice quanto à posição na ordem dos países. Subimos 14 posições na lista de países desde 1990.
Por outro lado, verificamos que esse avanço está ocorrendo devido essencialmente à melhoria dos índices de educação e de saúde, e não porque a renda por habitante esteja crescendo ou porque a concentração de renda esteja diminuindo. Sobre esse último fato, há um dado interessante. Enquanto o Brasil ocupa a 63ª posição no IDH, no índice de concentração de renda (medido pela porcentagem da renda auferida pelos 20% mais pobres), estamos na 115ª posição. Entre todos os países, só o México apresenta maior discrepância entre essas duas posições.
Embora os brasileiros, envergonhados com o alto grau de concentração de renda vigente, resistam em reconhecer, a melhoria dos indicadores sociais no Brasil é indiscutível. Conforme mostra a tabela acima, três índices básicos tiveram melhorias extraordinárias entre 1980 e 2000 e continuaram a apresentar melhoras nos anos seguintes. Por outro lado, nesse período de 20 anos, a renda por habitante brasileira aumentou apenas 8,5%. Em contrapartida, segundo pesquisa que realizei há dois anos, o gasto social por habitante, nesse mesmo período de 1980 a 2000, aumentou 43,4%! Ou seja, embora o crescimento da economia fosse miserável, a democracia brasileira cumpriu sua promessa e aumentou quatro vezes mais o gasto social por habitante. Houve um enorme esforço em enfrentar o problema social.
Entretanto, dada a discrepância entre o Índice de Desenvolvimento Humano e o de concentração de renda, fica claro que os gastos sociais, embora sejam efetivos em elevar o nível de desenvolvimento humano de uma nação, não reduzem significativamente a concentração de renda. Para que essa caia, além do gasto social, é preciso que haja desenvolvimento e a conseqüente absorção da mão-de-obra estruturalmente excedente. Só quando o Brasil for capaz de superar a característica fundamental do subdesenvolvimento -a oferta ilimitada de mão-de-obra não-qualificada- os salários poderão passar a crescer com a produtividade e a concentração poderá começar a diminuir. Para isso, porém, será necessário fazer o que, por falta de uma estratégia nacional de desenvolvimento, como nação, temos sido pateticamente incapazes de fazer: retomar o desenvolvimento, paralisado desde 1980. Se o fizermos, a oferta ilimitada de mão-de-obra voltará a ser reduzida, porque, como mostra a imigração para os países ricos, a tecnologia poupadora de mão-de-obra não impede que o desenvolvimento crie empregos.

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