Os brasileiros andam cabisbaixos, e com razão. Na política, o partido de esquerda comete um estelionato eleitoral como jamais se viu e, em seguida, vê-se mergulhado na mais grave crise de corrupção da história do país. Na economia, a traição dos compromissos eleitorais se espelha em taxa de crescimento muito inferior à dos outros países, não obstante a situação internacional altamente favorável, e na manutenção dos juros básicos em níveis estratosféricos, que implica uma transferência brutal de renda dos pobres e da classe média para os ricos.
Entretanto nem tudo são tristezas. Nossa democracia está forte, e tudo indica que a punição dos responsáveis pela corrupção acabará indo às últimas conseqüências. Além disso, a promessa de enfrentar a injustiça social, que foi feita solenemente por todos aqueles que lutaram pela democracia no início dos anos 80, está sendo cumprida. Os dados publicados na última semana, do Índice de Desenvolvimento Humano 2005 das Nações Unidas, confirmam esse fato.
Conforme assinalou Bobbio, a democracia se caracteriza por promessas não-cumpridas. A promessa de retomar o desenvolvimento, que estava paralisado desde 1980, não se confirmou a partir da transição democrática de 1985. Nos dez anos que se seguiram, a economia permaneceu semi-estagnada porque não conseguíamos superar a inflação inercial, nos 15 seguintes, porque não fomos capazes de nos reencontrar como nação e deixamos que os parâmetros de nossa política econômica fossem definidos por nossos concorrentes, adotando estratégia de endividamento externo e de altos juros básicos.
No plano social, entretanto, avançamos. Tomando-se apenas os dados do IDH 2005, verificamos que o Brasil é um país de "desenvolvimento humano médio", com índice 0,792, o que corresponde à 63ª colocação entre 177 países. Essa colocação está longe de ser satisfatória. Na América Latina, ficamos atrás da Argentina, do Chile, do Uruguai, da Costa Rica, de Cuba, do México e do Panamá. Mas, embora seja difícil fazer comparações no tempo, porque os critérios mudam ligeiramente e também muda o número de países, o Brasil tem melhorado tanto em relação ao valor do índice quanto à posição na ordem dos países. Subimos 14 posições na lista de países desde 1990.
Por outro lado, verificamos que esse avanço está ocorrendo devido essencialmente à melhoria dos índices de educação e de saúde, e não porque a renda por habitante esteja crescendo ou porque a concentração de renda esteja diminuindo. Sobre esse último fato, há um dado interessante. Enquanto o Brasil ocupa a 63ª posição no IDH, no índice de concentração de renda (medido pela porcentagem da renda auferida pelos 20% mais pobres), estamos na 115ª posição. Entre todos os países, só o México apresenta maior discrepância entre essas duas posições.
Embora os brasileiros, envergonhados com o alto grau de concentração de renda vigente, resistam em reconhecer, a melhoria dos indicadores sociais no Brasil é indiscutível. Conforme mostra a tabela acima, três índices básicos tiveram melhorias extraordinárias entre 1980 e 2000 e continuaram a apresentar melhoras nos anos seguintes. Por outro lado, nesse período de 20 anos, a renda por habitante brasileira aumentou apenas 8,5%. Em contrapartida, segundo pesquisa que realizei há dois anos, o gasto social por habitante, nesse mesmo período de 1980 a 2000, aumentou 43,4%! Ou seja, embora o crescimento da economia fosse miserável, a democracia brasileira cumpriu sua promessa e aumentou quatro vezes mais o gasto social por habitante. Houve um enorme esforço em enfrentar o problema social.
Entretanto, dada a discrepância entre o Índice de Desenvolvimento Humano e o de concentração de renda, fica claro que os gastos sociais, embora sejam efetivos em elevar o nível de desenvolvimento humano de uma nação, não reduzem significativamente a concentração de renda. Para que essa caia, além do gasto social, é preciso que haja desenvolvimento e a conseqüente absorção da mão-de-obra estruturalmente excedente. Só quando o Brasil for capaz de superar a característica fundamental do subdesenvolvimento -a oferta ilimitada de mão-de-obra não-qualificada- os salários poderão passar a crescer com a produtividade e a concentração poderá começar a diminuir. Para isso, porém, será necessário fazer o que, por falta de uma estratégia nacional de desenvolvimento, como nação, temos sido pateticamente incapazes de fazer: retomar o desenvolvimento, paralisado desde 1980. Se o fizermos, a oferta ilimitada de mão-de-obra voltará a ser reduzida, porque, como mostra a imigração para os países ricos, a tecnologia poupadora de mão-de-obra não impede que o desenvolvimento crie empregos.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
segunda-feira, setembro 12, 2005
IDH, concentraçãoe desenvolvimentoLUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
FOLHA DE S PAULO
Arquivo do blog
-
▼
2005
(4606)
-
▼
setembro
(497)
- A votação mais cara do mundo Bruno Lima Rocha
- LUÍS NASSIF Efeitos dos títulos em reais
- Batendo no muro LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
- Dirceu entre a inocência e a onipotência MARCELO C...
- ELIANE CANTANHÊDE Nova República de Alagoas
- CLÓVIS ROSSI O país do baixo clero
- EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO O ELEITO DE LULAL
- DORA KRAMER Agora é que são elas
- EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Despudores à parte
- João Mellão Neto Como é duro ser democrata
- Roberto Macedo Na USP, uma greve pelas elites
- EDITORIAL DE O GLOBO Cidade partida
- MERVAL PEREIRA O gospel da reeleição
- Luiz Garcia Juiz ladrão!
- MIRIAM LEITÃO Políticas do BC
- Raça, segundo são João Jorge Bornhausen
- Cora Rónai Purgatório da beleza e do caos
- Fundos e mundos elegem Aldo
- EDITORIAL DE O GLOBO Desafios
- A Derrota Política do Governo!
- MERVAL PEREIRA Vitória do baixo clero
- MIRIAM LEITÃO Sem medidas
- EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Atrasado e suspeito
- DORA KRAMER Muito mais do mesmo
- LUÍS NASSIF Indicadores de saneamento
- ELIANE CANTANHÊDE Vitória das elites
- CLÓVIS ROSSI A pouca-vergonha
- EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO NORMA ANTINEPOTISMO
- EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO DESVIOS SEMÂNTICOS
- Aldo vence, dá gás a Lula e esperança aos "mensale...
- JANIO DE FREITAS Dos valores aos valérios
- EDITORIAL DO JB A vitória da barganha
- AUGUSTO NUNES Berzoini foi refundado
- Se não se ganha com a globalização, política exter...
- Fome de esquerda Cristovam Buarque
- A valorização do real em questão
- EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO A debandada dos p...
- EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Precisa-se de ger...
- Ineficiência fiscal e a 'Super-Receita' Maurício M...
- DORA KRAMER Adeus às ilusões
- EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO OS DEPUTADOS DECIDEM
- EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO MAIS DO MESMO
- CLÓVIS ROSSI Cenas explícitas de despudor
- FERNANDO RODRIGUES Uma Câmara submissa
- ELIO GASPARI Bicudo foi-se embora do PT
- LUÍS NASSIF A discussão do saneamento
- "Upgrade" PAULO RABELLO DE CASTRO
- EDITORIAL DE O GLOBO Gastamos mal
- EDITORIAL DE O GLOBO Chávez fracassa
- No governo Lula, um real retrocesso HÉLIO BICUDO
- MIRIAM LEITÃO Das boas
- MERVAL PEREIRA A base do mensalão
- A frase do dia
- EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Desculpas não bastam
- Jóia da primavera Xico Graziano
- Oportunidade perdida Rubens Barbosa
- DORA KRAMER Com aparato de azarão oficial
- LUÍS NASSIF Os caminhos do valerioduto
- JANIO DE FREITAS Esquerda, volver
- ELIANE CANTANHÊDE Todos contra um B
- CLÓVIS ROSSI A crise terminal
- EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO FRAUDES NO APITO
- Diferença crucial RODRIGO MAIA
- EDITORIAL DE O GLOBO Dois governos
- Arnaldo Jabor Manual didático de ‘canalhogia’
- MIRIAM LEITÃO Além do intolerável
- MERVAL PEREIRA Espírito severino
- AUGUSTO NUNES Os bandidos é que não passarão
- A crueldade dos humanistas de Lancellotti Por Rein...
- O Cavaleiro das Trevas
- Juristas Dizem Que Declarações DE DIRCEU São Graves
- O PT e a imprensa Carlos Alberto Di Franco
- A outra face de Lacerda Mauricio D. Perez
- Reinventar a nação LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
- VINICIUS TORRES FREIRE Urubus políticos e partidos
- EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO CHÁVEZ E A POBREZA
- AUGUSTO NUNES Os gatunos estão em casa
- MERVAL PEREIRA O fator Mangabeira
- João Ubaldo Ribeiro Mentira, mentira, mentira!
- MIRIAM LEITÃO Eles por eles
- DORA KRAMER Um perfil em auto-retrato
- EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Contraste auspicioso
- Gaudêncio Torquato O horizonte além da crise
- São Paulo olhando para o futuro Paulo Renato Souza
- EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO MOMENTO IMPORTANTE
- EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO DÍVIDA EXTERNA EM REAL
- CLÓVIS ROSSI As duas mortes de Apolônio
- ELIANE CANTANHÊDE Malandro ou mané?
- LUÍS NASSIF A reforma perdida
- Para crescer, é preciso investir em infra-estrutur...
- FERREIRA GULLAR Alguém fala errado?
- JANIO DE FREITAS Nada de anormal
- Lula também é responsável, afirma Dirceu
- Augusto de Franco, A crise está apenas começando
- Augusto Nunes Uma noite no circo-teatro
- Baianos celebram volta de Lula a Brasília
- Lucia Hippolito Critérios para eleição de um presi...
- MERVAL PEREIRA A voz digital
- MIRIAM LEITÃO O perigo é olhar
- FERNANDO GABEIRA Notas sobre os últimos dias
-
▼
setembro
(497)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA