Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 18, 2005

ELIANE CANTANHÊDE Vilão e pobre coitado

FOLHA DE S PAULO
BRASÍLIA - Enquanto o PT busca um retorno ao passado, Severino tenta definir o seu futuro. Sua Excelência perde os dedos, mas quer salvar os anéis: as benesses e os cargos da família e dos aliados no governo.
No país dos escândalos de milhões de dólares nas Bahamas, é um pobre coitado enrolado com uns trocados. Quem conhece o casal Severino-Amélia Catarina descreve uma casa razoável em João Alfredo (PE), com mobília simples, farta comida caseira, filhos e netos adorando uma boquinha, em duplo sentido.
Foi para esses pequenos "luxos" que Severino se meteu com Lula e extorquia o tal Sebastião Buani. Não para "enricar", como se diz no Nordeste. Devia achar tudo tão normal, tão corriqueiro, que nem sequer se sente culpado. "Sou um homem honrado", berra, quase patológico. Deve acreditar mesmo. Danem-se os cheques.
Severino é, portanto, causa e efeito, réu e vítima de um sistema ultrapassado e nojento que viceja à custa da dramática desigualdade entre regiões e pessoas neste país. A gente roda, roda, roda e cai no mesmo buraco: a ignorância. Não adianta focar nele. É preciso olhar o conjunto da obra.
Sugestão: o livro "A Ética da Malandragem -no Submundo do Congresso Nacional" (Geração Editorial, 2005), com histórias colhidas pelo jornalista Lúcio Vaz quando era da Folha. Ao lê-lo e escrever o prefácio, tudo me pareceu cristalino: a vitória de Severino foi construída durante anos.
Com mais de 40 anos de vida pública, ele compra os votos com favores, badulaques, dentaduras. E importou essa tecnologia para o Congresso. Empoleirou-se na Primeira Secretaria da Câmara e dali saiu distribuindo as "dentaduras" que o baixo clero queria. A lambança do PT na eleição da Mesa e o oportunismo de parte do PSDB e do PFL fizeram o resto.
Severino é o retrato de boa parte da Câmara, que é o retrato do Brasil. Se renunciar, ele vai embora (e já vai tarde), mas o baixo clero fica, ele volta em 2007 e o Congresso continua o mesmo. Como o Brasil.

Arquivo do blog