Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 16, 2005

João Mellão Neto Corrupção não é para amadores

O ESTADO DE S PAULO

Jefferson já se foi. Após devastar em cem dias o Reich petista que deveria durar mil anos, despediu-se da vida parlamentar deixando uma grave advertência: tolo é quem acredita que tudo o que se passou se resume a uma agência bancária, 18 parlamentares e um punhado de dólares... Pois é apenas isso o que foi apurado até agora. E, temo, se o clamor popular não se manifestar com maior candência, disso também não passará. Fica no ar uma história mal explicada. Lembra o episódio da renúncia de Jânio Quadros. Como Jânio, em vida, não podia admitir publicamente que tentara passar uma rasteira no Congresso, e como os congressistas de então não podiam admitir que, sabendo da intenção de Jânio, trataram de lhe passar uma rasteira antes, fica registrado, oficialmente, que a renúncia foi um gesto louco de um presidente tresloucado.

O mundo da política é curioso. Há uma série de vilanias, concessões e mesquinharias que, embora quase todos pratiquem, não interessa a ninguém, no meio, que venham a ser do conhecimento público. A omertà - o pacto de silêncio dos mafiosos - vale também para a vida pública. Amigos ou inimigos, a ninguém interessa que o povo saiba dos abismos e mesquinharias da prática política. Como dizia Bismarck, leis e lingüiças, para serem aceitas, ninguém pode saber como são feitas.

Será que alguém com um mínimo discernimento pode acreditar que tudo não passou de um conluio entre um tesoureiro partidário e um publicitário ambicioso, com o objetivo de quitar o passivo eleitoral de menos de duas dezenas de parlamentares? Qual a face da Medusa, que ao ser olhada transformava o observador em pedra, todos evitam encarar a verdade. Se novas e bombásticas revelações não forem feitas, tudo terminará por aí. Dezoito homens e um segredo. Degolar-se-ão os homens, que cairão em silêncio, desde que o segredo permaneça intacto. Qual é ele? Talvez nunca venhamos a saber, ao menos oficialmente. Mas que envolve gente e interesses graúdos não há a menor dúvida. O volume de dinheiro em jogo não se resume aos míseros R$ 50 milhões que o imprudente publicitário teria tomado emprestados. O mais provável é que avulte à casa das dezenas de bilhões de reais, comprometendo sacrossantos fundos de pensão e alguns pesos pesados do empresariado nacional, mormente os ligados à área de telecomunicações.

Mas o pouco que já se sabe é de nausear estômago de abutre. O PT venderia facilidades, nos fundos de pensão, a um conhecido empresário, que, em troca, por intermédio do publicitário, irrigava os cofres do partido para financiar o esquema de aliciamento de votos. Quando, em função das circunstâncias, o tal empresário deixou de repassar dinheiro, o esquema esfriou, provocando no Congresso uma aguda crise de abstinência. Parlamentares revoltados começaram a se rebelar contra os ditames do governo e, a partir daí, a situação não venceu mais nenhuma votação na Câmara. A vinda à tona do esquema, então, era apenas questão de tempo. Coube a Jefferson - fortuitamente apanhado num caso de propina nos Correios - o papel de anjo exterminador. Desconfiado de que seria abandonado às feras pelo governo, ele optou por não cair no poço sozinho. Puxou todos os outros pela gravata. Mas Jefferson não sabia da missa a metade. E ninguém mais, ao menos oficialmente, ficará sabendo do resto.

Por que não deu certo? Simples. Contrariaram-se, aqui, as regras básicas da corrupção bem feita. Até onde eu conheço a vida, a corrupção tem também as suas regras básicas. Corrupção perfeita é aquela em que só o corruptor e o corrupto ficam sabendo do esquema, ambos saem satisfeitos da operação e o Estado fica com o prejuízo.

Traduzindo em miúdos: se uma das partes tem prejuízo, ela botará a boca no mundo; se mais pessoas ficam sabendo, elas quererão também participar do esquema; se isso lhes for negado, elas denunciarão tudo. Tendo em vista essas premissas, é óbvio que o esquema presente tinha tudo para dar errado. Não havia apenas duas partes, e sim dezenas, o que gera o inevitável diz-que-diz. Ambos os lados estavam levando vantagem até o momento em que a fonte secou. Os prejudicados acabariam por manifestar o seu descontentamento. Havia também muita gente de fora - secretárias, assessores, motoristas - sabendo do esquema sem dele participar. Essa gente acabaria por chantagear os beneficiários primeiros por uma participação nos "lucros", o que levaria os corruptos a tentar aumentar o valor de sua "mesada". Um esquema inviável, enfim. Um exemplo cabal de corrupção mal feita, que fatalmente, mais cedo ou mais tarde, acabaria por vir a público.

Quando assisti aos depoimentos, pela TV, do tesoureiro e do secretário-geral do PT, logo entendi tudo. Eles mal dominam o idioma português. São primários e primitivos em tudo. Corrupção bem feita não é coisa para amadores. Como tudo na vida, ela também requer praticantes com refinamento e competência. O sr. Delúbio mal consegue conjugar verbos. Como esperar dele que conduza, com maestria, um esquema de corrupção milionário como este?

Esta Nação já foi saqueada inúmeras vezes e de todos os modos através da História. Alguns casos vieram a público, muitos outros ficaram no desconhecimento, servindo para alimentar inúmeras fortunas que existem por aí.

Essa conversa de que crime perfeito não existe é balela. Existe, sim. É que, justamente por ser perfeito, ninguém fica sabendo que ele existiu...

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