Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 13, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Fim da impunidade


Se há um político que por longo tempo - desde os primórdios de sua controvertida carreira - tem gerado uma frustrada expectativa da opinião pública, no sentido de que preste contas à Justiça, este é o caso do ex-prefeito e ex-governador paulista Paulo Maluf. Afinal de contas foram mais de 150 processos judiciais dos quais Maluf conseguiu escapar, graças aos cuidados de competentes advogados - mas também, forçoso seria admitir, à ineficiência investigatória que sempre favoreceu, por motivos não tão difíceis de entender, os ricos e poderosos do País. Mas, como já dissemos em outros editoriais, esta crise que vai desvendando a verdadeira face do partido que fez da ética na política uma bandeira de luta tão importante quanto a da justiça social, graças à atuação das CPIs, da Polícia Federal e do Ministério Público, seja qual for o seu desfecho, já produziu uma mudança neste país que é a garantia de que, daqui para a frente, impunidades como a de que gozou até agora Paulo Maluf serão impossíveis.

Este é o momento em que, como nunca antes em nossa História contemporânea, as investigações têm trazido à tona um volume gigantesco de falcatruas perpetradas por figuras públicas de variado tempo de carreira, de diversos partidos e, especialmente, da órbita do governo federal, do principal partido de sua maioria e aliados. É como se se tivesse, finalmente, rompido um dique que represava e poupava da cobrança pública uma infinidade de delitos nauseantes, despudoradamente lesivos ao patrimônio coletivo. Nesse cenário, levar Maluf aos tribunais passa a significar o marco de entrada numa fase de trabalho realmente conseqüente, por parte dos órgãos encarregados de zelar pelo patrimônio público. E a Justiça, no caso, parece vir a demonstrar que está qualificada para pôr cobro à avalancha de desmandos, que vão sendo descobertos, praticados por administradores públicos.

Isto posto, é de se observar que a prisão preventiva decretada contra Paulo Maluf e seu filho Flávio não se refere ao mérito dos processos judiciais aos quais respondem, mas sim à "conveniência da instrução criminal", como deixou claro o despacho da juíza que gerou o mandado de prisão. É que os dois, segundo argumento do Ministério Público, estariam agindo ativamente na ocultação de provas e intimidação de testemunhas, na investigação sobre US$ 161 milhões que teriam enviado para os EUA - em operações que levam os indiciados a responder por crime financeiro, formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. É de se prever que os réus, que têm domicílio certo e empresas a gerir no País - sendo, pois, improvável sua disposição de fugir para o exterior -, obtenham na Justiça o direito de responder aos processos em liberdade. Também não é provável, a esta altura, que se disponham a intimidar testemunhas.

Agora, o que causou espécie foi a forma como a Polícia Federal efetuou as prisões, especialmente a de Flávio Maluf. Demonstrando sua grande vocação pela exibição de espetáculo - e nisso ajudada pela rede de televisão líder de audiência, tão devotada a humilhantes reality shows -, a PF exibiu um desnecessário ritual autoritário. Certamente para evitar desrespeitos à sua pessoa Paulo Maluf antecipou-se à captura, apresentando-se, de madrugada, à Superintendência da Polícia Federal em São Paulo. Mas Flávio Maluf não pôde evitar a humilhação. Combinara com a Polícia Federal sua apresentação na manhã de sábado. Viera de sua fazenda em helicóptero de sua empresa, acompanhado por dois agentes da PF. Mesmo assim, ao chegar foi algemado e conduzido à sede da Polícia Federal. Por que as algemas? Não se tratando de réu perigoso, não tendo dado demonstração alguma de agressividade, apresentando-se espontaneamente ao órgão policial, por que motivo Flávio foi algemado?

Sem dúvida alguma, com essa atitude a Polícia Federal em nada melhorou sua credibilidade pública - antes, pelo contrário. E essa arbitrariedade é tanto maior porque já atingiu pessoas mesmo antes de serem devidamente processadas - como mostraram os episódios Daslu e Schincariol. Deixe-se claro: Justiça, sim, mas humilhação não - pois isso nem os condenados merecem.

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