Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 13, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Fim da impunidade



O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou quase três anos pretendendo unir a América do Sul em torno de sua liderança política. Como os governos de alguns países vizinhos - inclusive os sócios do Mercosul - nem sempre concordaram com os projetos do governo petista e, portanto, não se deixaram liderar politicamente pelo presidente brasileiro, pretende ele, agora, fazer com o dinheiro do BNDES o que, em suas palavras, "Bolívar não fez com a espada". Na Guatemala, o presidente Lula apresentou aos países do Sistema de Integração Centro-Americana o Programa de Incentivo aos Investimentos Brasileiros na América Central e Caribe (Pibac).

Trata-se de um mecanismo pelo qual as agências de fomento nacionais financiarão a produção de bens industriais e de serviços no exterior, usando as bases de produção no Caribe e na América Central como plataformas para atingir os mercados dos Estados Unidos e da Europa. Pressupõe, é claro, que empresários brasileiros estejam dispostos a fazer investimentos pesados - ainda que financiados - naquela parte do continente. E, também, que a tal linha de financiamento de fato exista. Afinal, o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está anunciando na Guatemala nada mais é que um projeto. A menos que possa ser utilizada para os propósitos alardeados pelo presidente a linha de financiamento para a internacionalização de empresas recentemente criada pelo BNDES, os empresários brasileiros que pretenderem se instalar no Caribe ficarão a ver navios.

Mas o que torna essa iniciativa da política externa petista digna de comentário não é o fato de ser mais uma promessa vazia de conteúdo real. É, ao contrário, o extremo realismo contido na confissão nela implícita - por descuido, com certeza, e possivelmente por ingenuidade, que até a isso já chegaram os formuladores e executores da política externa - de que o governo brasileiro procura meios de corrigir graves erros que cometeu ao dar uma orientação ideológica às relações do País com o mundo.

Pois o Programa de Incentivo aos Investimentos Brasileiros na América Central e Caribe foi criado, como informa o embaixador Mário Vilalva, chefe do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, para aproveitar as "oportunidades e vantagens" que a região oferece desde que foi assinado o acordo de livre comércio entre os Estados Unidos e os países centro-americanos e caribenhos. Esse acordo, que entrará em vigor em janeiro de 2006, isentará de tarifas 99,2% dos produtos da América Central e Caribe que forem exportados para o mercado norte-americano. E não é só. Como enfatiza o diplomata, também com a União Européia aquela região tem acordo que facilita e estimula o comércio.

O governo brasileiro, portanto, corre para ver se aproveita "oportunidades e vantagens" que existem graças a um acordo de livre comércio assinado com Washington, oferecendo incentivos financeiros a empresas brasileiras que queiram se instalar na América Central e no Caribe, lá criando empregos. Ora, há pouco menos de três anos, quando assumiu o governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entendeu que um amplo acordo de livre comércio, justamente por incluir os EUA, era prejudicial aos interesses nacionais brasileiros e tratou de levar as negociações ao atual impasse. O "guia e mentor" do chanceler Celso Amorim temia que uma associação comercial com os EUA transformasse o Brasil numa colônia. Preferiu "mudar a geografia econômica do mundo", fazendo "parcerias estratégicas" que, até agora, têm sido extremamente rentáveis... para a China, por exemplo.

Já os EUA, que há muito aprenderam que o comércio é um processo incremental e pragmático, passaram a negociar acordos de livre comércio com países do hemisfério - acordos que visavam objetivamente à expansão das trocas bilaterais e por isso puderam ser fechados sem grandes delongas.

Cuida agora o "guia e mentor" da diplomacia de obter por vias oblíquas - favorecendo o crescimento industrial e a criação de empregos em outros países, com dinheiro brasileiro - aquilo que teria sido possível fazer com maiores vantagens, não fosse a política externa um exercício de retórica retumbante, sob a qual se esconde não a nostalgia da submissão, mas um terrível complexo de inferioridade.


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