Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 17, 2005

DORA KRAMER Cerimônia do adeus

O ESTADO DE S PAULO
Com pedido para ver Lula, Severino dá início ao ritual de despedida do poder



Desiludido da esperança na ocorrência de um milagre, Severino Cavalcanti parece ter dado início à cerimônia do adeus do cargo de presidente da Câmara, sete meses depois de eleito, com essa história de querer ouvir o presidente Luiz Inácio da Silva antes de anunciar se tira licença ou se renuncia.

Político há várias décadas, o deputado pode ser tosco e se fazer de desentendido, mas não é bobo. Portanto, sabe perfeitamente bem que Lula não dispõe de força política - única mercadoria que lhe seria útil ir buscar hoje no Palácio do Planalto - para dividir.

A pouca que lhe resta precisa guardar para si.

E Severino sabe disso melhor do que todos nós juntos já há algum tempo. Mesmo antes da crise, quando sentiu do outro lado da Praça dos Três Poderes perda suficiente de vitalidade política para fazer cobranças impertinentes de ministérios e cargos em estatais.

Com toda a reação do presidente à época - a suspensão da reforma ministerial, mas sem uma única queixa direta a Severino -, o presidente da Câmara acabou levando, para citar as vantagens visíveis, um cargo federal para o filho em Pernambuco e um ministério para seu partido.

Pois não seria agora que Severino Cavalcanti imaginaria obter qualquer benefício por intermédio de Lula. Tampouco há necessidade objetiva de consulta a ele para decidir seu destino, pois não são dependentes entre si.

Nenhum dos dois têm o que trocar, não podem atender a suas necessidades mútuas. Severino não pode - por hipótese absurda - assegurar ao presidente da República paz e simpatia no Congresso e Lula não dispõe de base para oferecer apoio parlamentar à construção de um bote salva-vidas para Severino.

Trata-se, portanto, de uma conversa inútil sob todos os aspectos. Só não é também inócua porque ao presidente Lula pode ser extremamente prejudicial, dada a gravidade das provas contra Severino e o fato de o palácio ter obrigado o PT a apoiá-lo até o fim.

A proximidade neste instante não parecerá à sociedade um sinal de leal hombridade; recenderá a conivência.

Como Severino Cavalcanti dispõe de todos esses dados e variantes, por que, então, a insistência em falar com o presidente?

Sobra só uma conclusão: para conferir altivez à despedida e, pela última vez, posar de gente importante da República antes de voltar - na melhor das hipóteses - ao lugar de onde nunca deveria ter saído.

Mal comparando

O ministro Nelson Jobim e o deputado José Dirceu defendem a mesma tese: se a opinião pública apoiou a Justiça quando o Supremo Tribunal Federal decidiu em favor da instalação da CPI dos Bingos, não há razão nas críticas à liminar que suspende temporariamente processos por quebra de decoro na Câmara.

Tratam-se de duas situações diferentes. A sentença a respeito da CPI resultou de uma ação apresentada à luz do dia e que levou quase um ano em tramitação no STF.

Diferente do mandado de segurança dos petistas, que entrou no tribunal à noite a fim de cair direto nas mãos do presidente Nelson Jobim que, por sua vez, decidiu a questão em horas, a tempo de os deputados se beneficiarem do prazo exíguo antes de o Conselho de Ética dar início aos processos.

Com isso, ganharam tempo para pesar e medir vantagens e desvantagens de renunciar ou enfrentar.

Sob suspeita

A propósito de defender a equipe econômica das críticas feitas pelo governador de Alagoas, Ronaldo Lessa, durante a inauguração do novo aeroporto de Maceió, o presidente Luiz Inácio disse que "muitos governadores" fizeram "acordos com o governo passado" para a construção de estradas nunca concluídas, mas cujas verbas repassadas pela União foram devidamente consumidas.

Lula cobrou inclusive a devolução do dinheiro.

No afã de repassar as críticas recebidas ao antecessor, o presidente acabou deixando sob suspeita de desvio de dinheiro público todos os governadores eleitos em 1998. Entre eles o anfitrião da festa de ontem e dois petistas, Zeca do PT e Jorge Viana, reeleitos como Lessa em 2002.

A fim de preservar a veracidade de seu recente zelo pela reputação alheia e não dar a impressão de que advoga em causa própria quando reivindica provas, substância e nitidez junto a toda e qualquer acusação - notadamente no campo da improbidade - conviria ao presidente fazer o mesmo.

Gênero

A moda entre os politicamente corretos de encomenda é chamar homens e mulheres de "todos e todas" nos discursos.

Força do hábito

Texto de ontem sobre a decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) em favor dos deputados em vias de serem processados por quebra de decoro parlamentar refere-se a "mandato" de segurança.

Para completar a tola troca, faltou dizer que tais processos podem resultar na cassação de "mandados" parlamentares.

Arquivo do blog