Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 17, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO O PT no fundo do poço


É espantosa a capacidade que o PT tinha - e da qual não se desconfiava - de entrar nas mais desastradas esparrelas, como se não tivesse qualquer noção da legislação vigente no País, não soubesse fazer distinção alguma entre o recurso público e o usufruto privado e, sobretudo, não tivesse nem idéia, em termos de custo-benefício, do que poderia lhe valer a prática de óbvias irregularidades - para não falar nos delitos.

Será que ninguém da cúpula dirigente petista sabia o que significa e para que serve o Fundo Partidário?

Primeiro veio à tona, no bojo das investigações da CPMI dos Correios, aquela estranhíssima dívida pessoal, no valor de R$ 29.436,26, contraída pelo presidente (então candidato) Luiz Inácio Lula da Silva junto ao Partido dos Trabalhadores. Até agora são pouco convincentes as explicações dadas pelo atual presidente do Sebrae e ex-tesoureiro da campanha eleitoral de Lula de 1989, Paulo Okamotto, segundo as quais o ex-companheiro sindicalista do presidente teria se incumbido de pagar sua dívida - sem avisá-lo e sem guardar qualquer comprovação desse pagamento. E o problema é que documentos enviados pelo Banco do Brasil àquela CPI apontaram Lula como a "origem" de depósitos feitos na conta 13.000-1 do Diretório Nacional do PT, conta essa legalmente destinada, exclusivamente, a recursos do Fundo Partidário - de origem pública e para finalidades específicas do partido.

Agora vem à luz comprovação ainda mais cabal do uso irregular, pelo PT, de seu Fundo Partidário: notas fiscais obtidas pelo Estado (reportagem de domingo) revelam que o PT pagou com dinheiro de sua conta do Fundo Partidário passagens aéreas para os filhos - e mais para a mulher de um deles, a namorada de outro, o marido da filha e uma neta - do presidente Lula, além de passagens aéreas também para a mulher e a filha do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Um cheque de R$ 100 mil - exibido na citada reportagem - foi usado pelo PT para pagar, em março de 2003, as despesas mencionadas e outras à BBTur Viagens e Turismo, cheque esse assinado pelo então tesoureiro Delúbio Soares.

O ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral Torquato Jardim foi categórico ao afirmar que o PT não poderia ter comprado passagens para familiares de Lula e Palocci, pois, pela legislação eleitoral, verba do Fundo Partidário tem de ser gasta com despesa de pessoal. "Despesa de pessoal é pessoal empregado, funcionário do partido. Não entra em hipótese alguma cortesia. É totalmente irregular" - explicou o ex-ministro. Observe-se que essas despesas foram efetuadas, especialmente, na passagem de 2002 para 2003, em função da transição e da posse do governo Lula.

Soube-se, depois, que o PT pagou, também com o Fundo Partidário, passagem para a China, para a mulher do seu ex-presidente José Genoino, e para Madri, para Luis Favre, marido da ex-prefeita Marta Suplicy.

As regras para os partidos se utilizarem do Fundo Partidário estão precisamente definidas na Lei 9.096/95, cujo artigo 44 estabelece que os recursos do fundo serão aplicados na manutenção de sedes e serviços do partido - no que jamais se enquadraria a compra de passagens para parentes. Só o presidente Lula parece não saber disso e proclama que o PT tinha "obrigação" de pagar sua(s) passagem(s). Para o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Humberto Gomes de Barros, aquela utilização do Fundo, feita pelo PT, significou uma "apropriação indébita, um desvio de dinheiro público".

A propósito, graças à reportagem do Estado ficamos sabendo, surpresos, que a Justiça Eleitoral ainda não julgou as contas do PT, relativas a 2001, 2002, 2003 e 2004! Se for comprovada a utilização irregular do Fundo Partidário, o TSE pode determinar sua suspensão. Para o PT o fundo já representou, no corrente ano, a arrecadação de R$ 16,5 milhões.

Mas, independentemente de esse partido vir a ser punido ou não, debite-se mais esse percalço ao "estoque de desgraças" petista, originado de um acúmulo de "incompreensões" - éticas, políticas, jurídicas, organizacionais - e sobretudo de uma ausência de freios, em seus procedimentos, fatores que acabaram tirando do PT a condição de "paladino da moralidade", em que tinha a pretensão de estar, para atirá-lo no poço sem fundo da desmoralização pública.


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