Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 15, 2005

DEMÉTRIO MAGNOLI A camarilha

folha de s paulo
 No tumultuoso ano de 1992, sob o impacto das mobilizações que conduziriam à renúncia de Fernando Collor, encontram-se as raízes da camarilha que hoje controla o PT. O grito de "Fora Collor!" surgiu entre as bases petistas, à revelia de Lula, que procurou inicialmente contê-lo, e provocou uma dissidência na Articulação, a corrente dirigente do PT. No ano seguinte, pela primeira vez, essa corrente perdeu o controle sobre o Diretório Nacional do partido. Nas eleições presidenciais de 1994, o candidato Lula montou uma coordenação paralela e informal de campanha, contornando a linha política definida nas reuniões da coordenação oficial.
FHC foi eleito no rastro do Plano Real, mas Lula interpretou a derrota, de modo simplista e egocêntrico, como um produto da força do poder econômico e do "radicalismo do PT". Dedicou seus esforços, então, à construção de uma nova maioria no PT e, no fim das contas, de um novo partido. O Campo Majoritário surgiu em 1995, reunindo a antiga Articulação à corrente liderada por José Genoino e agregando políticos de expressão própria. A nova maioria não tinha idéias, exceto aquela expressa no seu nome: formar uma maioria eterna, intocável. Mas tinha um plano de ação: combater o programa original do PT e a sua identidade de partido democrático e militante.
José Dirceu, o operador de Lula e presidente petista ungido pelo Campo Majoritário, executaria a desfiguração, criando um "partido da ordem" e uma máquina partidária profissional. Em nome da meta obsessiva de conduzir Lula à Presidência, Dirceu assumiu a missão de tecer a rede de uma camarilha política que asfixiou o PT e, já como quadrilha de delinqüentes, viria mais tarde a estender seus tentáculos pela administração federal. Figuras fiéis a Lula, como Delúbio Soares, e a Dirceu, como Silvio Pereira, funcionaram como peças da engrenagem de contornos mafiosos escondida sob os mantos do governo e do partido.
A camarilha é um fim para Dirceu, mas um meio para Lula, que acalenta o sonho de fundir a sua corrente política ao PSDB. Na conjuntura de crise aberta pelo desvendamento da ação da quadrilha, Lula tentou acelerar a implosão do PT por meio da candidatura de Tarso Genro à presidência do partido. Mas a "refundação", um nome pomposo para a operação de descarte da carcaça de Dirceu, despedaçou-se contra o rochedo do instinto de sobrevivência do Campo Majoritário. A candidatura de Ricardo Berzoini é o fruto do acordo circunstancial costurado entre Lula e seu antigo operador.
A crise lança um jato de luz sobre a trama política de fundo. A chapa oficial do Campo Majoritário, apoiada por Lula e montada em torno de seu ex-ministro, é a chapa de Dirceu. À sombra do Planalto, os 820 mil filiados ao PT são conclamados a elegê-lo como seu dirigente político, o que equivale a consagrar nas urnas internas a camarilha e identificar o partido à delinqüência organizada.
Há dias, Marilena Chaui denunciou o "ódio ao PT" que emerge na crise (e que existe de fato), mas, significativamente, "esqueceu-se" de mencionar o "ódio à camarilha" difundido nas bases sociais petistas. No domingo, os filiados do partido têm a oportunidade histórica de fazer o que a filósofa não faz: separar o PT da camarilha, recusando o voto à chapa de Dirceu e dos usuários do "mensalão".

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