Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 03, 2005

André Petry É urgentíssimo

VEJA

"No mínimo, o Brasil tem de defender
a vida
de seus cidadãos com o mesmo
empenho com que os americanos
defendem o
lucro dos seus laboratórios"

O governo do Brasil precisa reduzir o custo crescente do coquetel de remédios contra a aids, que é distribuído gratuitamente a 163.000 brasileiros, sob pena de inviabilizar um programa aplaudido no mundo todo. Mas os laboratórios estão enrolando o governo brasileiro. Enrolam, enrolam, e nada acontece. O Merck Sharp & Dohme, que fabrica o Efavirenz, enrola há dois anos. O Abbott, que fabrica o Kaletra, enrola desde março. Primeiro, recusou-se até a negociar redução de preço. Depois, topou, mas só faz propostas aviltantes. O governo rejeita, ameaça, grita, só não faz o que já deveria ter feito: quebrar a patente dos remédios. Com isso, os laboratórios nacionais ganhariam o direito de fabricar o remédio. O Abbott, por exemplo, vende a cápsula do Kaletra a 1,17 dólar. Os laboratórios nacionais podem vendê-la por 41 centavos de dólar. Uma diferença estonteante.

Onde está o governo que não se mexe? No dia 11 de agosto, o Conselho Nacional de Saúde, órgão do Ministério da Saúde, reuniu-se para analisar o assunto e decidiu – por unanimidade – recomendar ao ministro a quebra imediata da patente do Kaletra e de outros dois remédios, que, somados, respondem por 65% do custo do coquetel. Com esses três medicamentos sendo produzidos no Brasil, o país economizaria mais de 200 milhões de reais por ano – e o programa de combate à aids voltaria a ganhar fôlego.

O governo, no entanto, não quebra patente alguma. Talvez esteja paralisado pelo temor de sofrer retaliações comerciais do governo dos Estados Unidos, que já mandou ameaças nessa direção. Seria uma atitude truculenta e ilegal da Casa Branca. A quebra de patentes – formalmente chamada de "licenciamento compulsório" – está prevista na legislação brasileira e internacional, pois é universalmente aceito o argumento elementar de que vidas humanas não podem ser sacrificadas em nome de interesses comerciais. Como truculência e ilegalidade não têm sido obstáculos para as ações de George W. Bush, o temor do governo brasileiro até que faz sentido, mas vergar-se diante disso é uma indignidade.

É óbvio que os laboratórios estrangeiros merecem ter seus interesses respeitados – mas é igualmente óbvio que isso não pode acontecer à custa da vida de brasileiros. É óbvio que, tendo investido, pesquisado e produzido um remédio que salva vidas, os laboratórios precisam ser devidamente recompensados – mas não à custa da vida de brasileiros. É óbvio que, como toda empresa particular, os laboratórios não podem ser privados do lucro que lhes dá vida e condições de aperfeiçoar remédios que já existem e descobrir novos – mas não à custa da vida de brasileiros.

O mínimo que o governo brasileiro precisa fazer é defender a vida dos seus cidadãos com o mesmo empenho com que o governo americano defende o lucro dos seus laboratórios. Afinal, quantos brasileiros terão de morrer para que nossas autoridades percebam a urgência da quebra das patentes? Quantos mais?

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