Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 23, 2005

Miriam Leitão :Melhor resposta

O GLOBO

O contra-ataque do ministro Antonio Palocci foi bem feito e preciso. Ontem, o mercado mostrou em cotações o alívio sentido após a entrevista arquitetada para acontecer antes da abertura dos pregões. Mas a crise está longe de acabar e há várias incertezas. Hoje, o Banco BMG vai executar uma dívida do Partido dos Trabalhadores exigindo o pagamento em 24 horas ou algum bem penhorado em garantia.
Este empréstimo que o BMG executará foi avalizado pelo ex-presidente do PT José Genoino e pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares, como representantes do PT e como pessoas físicas, bem como por Marcos Valério. O banco está executando todas essas pessoas num mesmo processo. O valor originalmente era de R$ 2,4 milhões, mas agora está em torno de R$ 3,3 milhões (o contrato é de 17 de fevereiro de 2003). Eles entrarão com a ação de execução em Belo Horizonte e cabe ao juiz apenas verificar se a petição está de acordo com a lei. E, no caso, está. O problema é que só um dos avalistas, o publicitário Marcos Valério, tem bens para responder a essa execução. Para o banco, cobrar a dívida judicialmente é uma forma de provar que ela foi feita e não é parte de um processo de operação para esconder outros delitos.


A entrevista do ministro foi um sucesso que reverteu toda a piora do mercado na sexta-feira. Bolsa, dólar e risco voltaram às cotações de quinta-feira. Mas a entrevista do ministro Palocci foi mais ou menos como o lançamento da bala de prata.

Foi um alívio a maneira como o ministro da Fazenda reagiu à crise. Ele fez o mais simples e mais correto. Não inventou uma desculpa mirabolante, não declarou que foi traído, não divulgou uma nota, não subiu no palanque. Convocou com a maior brevidade possível uma entrevista sem limitação de tempo, assunto ou veículo. Falou para todos sobre todas as questões levantadas. Isso não enterra o assunto, o país voltará a viver momentos de tensão esta semana ainda, mas, se não houvesse qualquer reação, se Palocci preferisse o mutismo de outros, o governo passaria a definhar mais rapidamente.

Bala de prata quando não funciona, há pouca coisa a fazer. Se novos fatos e provas surgirem contra o ministro da Fazenda, adiantará pouco trocar o ministro. Ao contrário do que disse o próprio Palocci, sua substituição é, sim, um enorme complicador para o governo Lula. Mas o mercado externo trabalha com o cenário B: o da saída de Palocci e nomeação de Murilo Portugal para o lugar.

O mercado tem simplificado a crise desde o começo. As análises subestimaram a capacidade de aprofundamento da crise a cada etapa do seu desdobramento. Faz o mesmo agora, quando avalia que Portugal poderia substituir Palocci e ainda fortalecer o caráter ortodoxo da política macroeconômica. O que vai se perguntar se Palocci cair é que governo Lula permaneceria e até quanto tempo.

O Dresdner divulgou uma análise dizendo que é "extremamente prematuro" esperar a queda do ministro Palocci, porém, se acontecer "o Plano B que está sendo imaginado em Brasília implica uma equipe ainda mais ortodoxa. Como resultado, todas as nossas macropremissas permanecem inalteradas". O Dresdner acha que o Brasil só pode melhorar (só tem upside ) porque o que o mercado mais temia, o ministro Palocci ser acusado de alguma coisa, já aconteceu. No curto prazo, a análise dá certo, tanto que eles previram uma segunda-feira otimista e foi o que aconteceu.

O banco WestLB considera que, se houver troca de ministro da Fazenda, ficará claro que a política econômica é do próprio presidente Lula e ela ficará, então, mais forte. Diz ainda que a oposição será cautelosa no ataque ao ministro Palocci e isso ajudará a manter os mercados calmos. Essa visão simplifica demais o que está acontecendo.

O economista José Roberto Mendonça de Barros discorda da visão do mercado. Acha que ele vem subestimando a crise porque tem sempre um viés de curto prazo:

— O que o mercado tem visto é que o país vai crescer 3%, que a inflação está derretendo e que os fundamentos externos estão ótimos. Isso, de fato, é bom, mas temos que ver do ponto de vista do custo de oportunidade. Crescer 3% é bom se a gente olhar para trás. Mas, se olhar para o lado, é insuficiente, porque os outros países estão crescendo mais. E é lamentável se olhar para a frente, para o que a gente precisa crescer para reduzir a pobreza brasileira — diz.

Ele lembra que as cotações vão bem, mas a cabeça das pessoas está sendo afetada:

— Todas as pesquisas mostram um consumidor muito mais preocupado com ele mesmo, com a família e com o país. Um consumidor assim compra menos e, por isso, neste momento, o comércio não sabe como será o Natal. As sondagens empresariais mostram que os empresários estão cautelosos com os novos investimentos. Há o risco concreto de haver uma crise energética nos próximos anos. Nada disso entra na consideração dos analistas do mercado financeiro — afirma.

José Roberto acha que a crise tem sido tão contundente e a resposta do governo tão ineficaz que o melhor a esperar é um cenário em que o governo chegue mais ou menos inteiro às eleições.

Nesse aspecto, o lançamento da bala de prata — a resposta clara, objetiva e direta do ministro Palocci — é a melhor contribuição que o governo já fez para se manter no posto.

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