Emília teria de repetir 100 vezes o mesmo delito para chegar aos R$ 20.000 doados por Marcos Valério ao Professor Luizinho, a mais barata criatura do pântano. Cometera um genuíno ''crime de bagatela'' (furto de quinquilharias, no jargão dos doutores data venia). Caso fosse beneficiada pelo ''princípio da insignificância'', sublinhado pela inexistência de antecedentes criminais, estaria em casa.
Mas estamos no Brasil - e aqui certas leis, como as vacinas, não pegam. ''Em casos assim, o mal do crime não chega a justificar o mal da pena'', ensina o jurista Luiz Flávio Gomes. O juiz e o promotor devem ter cabulado a aula em que essa lição foi ministrada.
Na luta pela liberdade subtraída há três meses, a prisioneira conta apenas com a advogada Sônia Regina Drigo. Uma única aliada, mas uma aliada e tanto. Uma das mais combativas defensoras públicas de São Paulo, Sônia conseguiu encerrar, em 24 de maio passado, o pesadelo imposto a Maria Aparecida de Matos.
Brasileira, negra, 25 anos, dois filhos, sem emprego fixo, sujeita a surtos psicóticos decorrentes de um atropelamento sofrido na infância, Maria ficou um ano e sete dias na prisão por ter furtado um xampu e um creme para cabelos. Conheceu todas as estações do horror. Perdeu um olho. Quase perdeu a vida.
Graças a um habeas-corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça, a advogada Sônia devolveu Maria Aparecida à família, que sobrevive na periferia paulista. A casa de madeira abriga a mãe Valdomira, 54 anos, os filhos de 5 e 3, a irmã Gislaine, 30, e dois irmãos. Entrara na cadeia com 59 quilos. Saiu com 40.
O vocabulário de Maria, que só sabe desenhar o nome, não vai além de 500 palavras. Na delegacia, assustada, recolheu-se a um silêncio mal interpretado pelos policiais. ''A suspeita prefere só falar em juízo'', registra o boletim de ocorrência. Por ser reincidente - furtara um par de tênis e um xampu - foi promovida a ''criminosa de alta periculosidade''.
Segundo a advogada, Maria ''pagou um preço muito alto pela falência do sistema judiciário, pelo descaso de funcionários públicos, incluindo juízes ou promotores''. O calvário incluiu a escala num hospício e custou ao governo estadual R$ 9.786,00 (os produtos que Maria furtou hoje valem R$ 24). Terminou no STJ.
Coube ao mesmo tribunal arquivar, há dias, a ação penal movida há cinco anos contra dois homens acusados de furtar num frigorífico paulista seis frangos avaliados, cada um, em R$ 3,50. ''Um crime de bagatela que não apresenta danosidade relevante'', decidiram os juízes. Maria não teve tanta sorte. É assim o Brasil dos desvalidos. Enquanto isso,
O ministro Celso Amorim foi atacado por um surto de valentia ao saber do assassinato, pela polícia londrina, do brasileiro Jean Charles de Menezes. Diante de autoridades inglesas, cobrou providências e exigiu imediata indenização para a família da vítima. O Cabôco sugere ao chanceler que aproveite o embalo para tratar do caso do engenheiro João José de Vasconcellos, brasileiro seqüestrado no Iraque em janeiro passado.
Um especialista em olhares
O grande Tom Jobim dispensava detectores de mentira, pareceres psicanalíticos ou qualquer recurso científico para avaliar o caráter, a alma e o coração de um recém-conhecido. Bastava o olhar.
}''Nem os melhores atores me enganam'', sorria o compositor maior. ''Podem modificar a voz, os gestos, o modo de caminhar, o penteado. Mas o olhar ninguém muda. Nem o Marlon Brando''.
Tom reconhecia o dissimulado, o franco, o ressentido, o sereno, o esquivo, o generoso, o cínico - qualquer um. Pena que não possa examinar os olhares das CPIs. Ele seria um grande relator.
Verborragia em recesso
Sumida desde a explosão da crise política, a filósofa Marilena Chauí ressurgiu numa reunião de cérebros pronta para ganhar a taça:
''Não acho que os intelectuais estejam em silêncio. No Brasil, estão falando sem falar''.
Menos Marilena, que não fala sobre corruptos federais, não comenta a confusão no PT e jamais pronunciou a palavra "mensalão".
Cartões da felicidade
O Tribunal de Contas da União anda intrigado com a gastança promovida por funcionários do Planalto premiados com cartões de crédito corporativos. Os portadores desse cartão da felicidade fazem saques e despesas. Quem paga a conta é o governo. De janeiro a junho de 2005, só o Gabinete da Presidência gastou R$ 4.083.374,73. Mais de 4 milhões em carteiraços.
Disposto a montar o mapa da gastança, o TCU vai topar com curiosos desvios. Um caso exemplar é o de Henrique Pizzolato, ex-vice-presidente do Banco do Brasil, que usou o cartão para mergulhar em rios de vinho e sites pornográficos. Jura inocência. Alguém roubou-lhe a senha e fez a festa.
Os segredos da cafetina
Jeany: ''Tudo estava bom demais para ser verdade''
O nome nada tem de cearense: Jeany Mary Corner. Mas é filha do Crato essa mulher que lutou bravamente até transformar-se em ''empresária do ramo de eventos sociais, especializada no fornecimento de mão-de-obra''. Tradução: Jeany é uma senhora cafetina.
Aprendeu os segredos do negócio num estágio em São Paulo. Prosperou em Brasília, onde se dedica desde 1990 a animar noitadas dos figurões do reino.
Administra um elenco de jovens tão belas quanto desinibidas. Aos interessados em monumentos femininos, basta ligar para a sempre solícita empresária e combinar o preço da companhia.
''A época de Fernando Collor foi a melhor, pena que durou tão pouco'', disse Jeany à revista Veja. Qualifica a Era FH de ''marrom'' (abreviação de ''marromenos''). E o governo Lula? ''Estava bom demais para ser verdade'', lamenta a cafetina preferida de Marcos Valério, patrocinador de festanças memoráveis.
A movimentação do elenco de Jeany teve o ritmo sensivelmente reduzido pelo senador Demóstenes Torres (PFL-GO). Durante uma sessão da CPI dos Correios, a pergunta de Demóstenes surpreendeu Simone Vasconcelos, diretora de uma empresa de Valério. ''A senhora conhece a cafetina Jeany Mary Corner?''
Minutos depois, alguém propôs a convocação de Jeany. Uma aliança suprapartidária revogou a idéia: se consumada, dezenas de casamentos iriam naufragar. É uma paz passageira. Muitos maridões seguem insones.
Pregador da devastação
O bispo Edir Macedo comanda a Igreja Universal do Reino de Deus. O empresário Edir Macedo administra uma imobiliária bancada por montanhas de sacolinhas. O pregador promete o céu e a (boa) vida eterna aos devotos-contribuintes. O construtor de templos bizarros provoca na paisagem urbana mudanças devastadoras.
A última do bispo foi a derrubada de quatro casarões em Ouro Preto, para abrir espaço a outra obscenidade arquitetônica. Os alvos da destruição, erguidos nos anos 40, nem eram tão parecidos com os avós coloniais. Mas não agrediam uma relíquia agora ameaçada pela estética medonha dos sacoleiros.
Sobrenome em desgraça
Nem o Ibama escapou ao cerco dos zeladores do programa ''Desemprego Zero no PT''. Sem saber direito se o mico-leão-dourado era um pequeno rei das selvas ou um malabarista das árvores, Analice Novaes Pereira assumiu há dois anos a gerência executiva da sucursal paulista. Não fizera nenhum concurso. Nunca foi do ramo. Mas era irmã de Sílvio Pereira, o poderoso secretário-geral do partido.
A queda de Silvinho estimulou os funcionários de carreira a recorrer à ministra Marina Silva, destinatária do documento que arrola irregularidades, erros e patifarias ocorridos na gestão de Analice e companheiros. E pede a troca de comando. Se Marina tiver juízo, Analice logo terá tempo para consolar o irmão.