Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 28, 2005

Zuenir Ventura Assombrações de agosto

O GLOBO


O que ainda resta de otimismo em nossa terra se alimenta da esperança de que a crise, no final das contas, fará bem ao país, que sairá dela melhor, mais purificado por esse mecanismo de catarse e purgação a que está sendo submetido. É o lado construtivo, a tal dimensão pedagógica que nos leva a tirar lições positivas da adversidade. Não há quem, de boa-fé e boa vontade, não torça por um desfecho rápido e edificante, em que a corrupção e a impunidade sejam definitivamente derrotadas.


Mas, e se nada disso acontecer? E se o escândalo subir a rampa do palácio levado por um eventual cartão corporativo? Em pleno mês de agosto e na semana em que o presidente evoca a memória insepulta de quatro fantasmas históricos, é inevitável pensar em assombrações. E se tudo for em vão e acabar em pizza? O embaixador Marcos Azambuja, que esteve na Itália durante a Operação Mãos Limpas, lembra que aquele processo exemplar prometia regenerar as instituições e moralizar as práticas políticas do país, uma vez por todas. "Dez anos depois", diz Azambuja com ironia, "elegeram Berlusconi". Donde se conclui que limpar é mais fácil do que manter limpo.

Pior. Aqui, não se sabe nem se vai ser possível começar a limpeza. Oitenta dias depois de instalada, a CPI dos Correios não conseguiu sequer ouvir José Dirceu. De todos os deputados acusados de embolsar dinheiro de Marcos Valério, apenas Roberto Jefferson compareceu ali para depor. O repórter Heraldo Pereira fez os cálculos e concluiu que a CPI do PC, em 1992, não precisou de mais de 89 dias para investigar as denúncias, recolher provas e recomendar a cassação de Fernando Collor.

No ano seguinte foi criada a CPI do Orçamento. "A comissão trabalhou sem parar", apurou Heraldo. "Fez 111 reuniões. Ouviu 68 pessoas, entre elas, 33 deputados, cinco senadores e três governadores. Três meses foi tempo suficiente para encontrar as provas que levaram à cassação de seis parlamentares e à renúncia de outros quatro."

Pode-se alegar que as CPIs de agora têm sido um importante espetáculo cívico que serviu para desmascarar a hipocrisia, desmoralizar a mentira e expor ao país as vísceras podres de grande parte do corpo político. Mas serviram também para revelar muitos atores em disputa de egos, mais preocupados em se mostrar do que em buscar resultados concretos. Como as comissões de investigação vão explicar à população que até agora não conseguiram descobrir nem se existe mensalão, quanto mais de onde veio a enxurrada de grana suja que alimentou o PT e partidos aliados?

Se até a Velhinha de Taubaté morreu de descrença, imaginem quando o desencanto, que é mais mortal, tomar conta das pessoas. Se é que já não tomou.

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