Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 24, 2005

Editorial de O Estado de S Paulo Bolo solado em vez de pizza

Garantem os membros das CPIs que nenhuma delas - a dos Correios, a do Mensalão e a dos Bingos - terminará em pizza. Mas quem garante que não será servido à Nação um grande e indigesto bolo solado? Passada a fase dos depoimentos dos principais protagonistas dos escândalos que revelaram o lado fora da lei do PT, agora as CPIs passam a convocar meros figurantes, que pouco terão a contribuir para a caracterização dos delitos e a identificação de seus autores.

Deputados e senadores deixam para depois, ou o fazem com irritante lentidão, o exame das resmas de documentos que foram apreendidos ou requisitados. Até agora, muito pouco fizeram para esclarecer a origem da dinheirama que o PT esparramou entre seus aliados, limitando-se a identificar quem recebia sacolas e envelopes. A coleta da prova documental e a identificação da fonte dos recursos ilícitos seriam providências essenciais em qualquer investigação. Mas, ao que parece, não nas CPIs, porque essas atividades não podem ser acompanhadas pelas câmeras de televisão.

A manobra do governo - para a qual o presidente Lula contribuiu decisivamente, retirando do Congresso medidas provisórias que atravancavam a pauta -, criando três CPIs, com funcionamento simultâneo, para investigar um único escândalo de corrupção - pois há uma evidente ligação entre as tentativas de extorsão contra batoteiros e nos Correios e a denúncia do mensalão -, só podia levar à exaustão prematura das investigações. Só quem não conhece o sistema de funcionamento de uma CPI e a vocação histriônica da maioria dos parlamentares diante das câmeras de televisão é que poderia imaginar que a sobreposição das investigações resultaria na apuração mais rápida e eficiente de fatos e autorias.

A falsa divisão de tarefas está levando, isso sim, à convocação de depoentes que pouco terão a acrescentar ao que já se revelou, como se as CPIs nada mais tivessem a fazer, a não ser "cumprir tabela". E, com isso, o forno atinge a temperatura ideal para solar o bolo.

A CPI dos Bingos, por exemplo, reinquirirá o advogado Rogério Buratti, que na sexta-feira prestou um explosivo depoimento ao Ministério Público, que divulgou cópias na íntegra. Depois disso, convocará o ex-presidente da Associação dos Bingos do Rio de Janeiro, cujo depoimento à Polícia Federal faz parte de um processo que tramita na 5ª Vara Federal Criminal, no Rio. Ou seja, mais duplicação de trabalho - mas oportunidades únicas para que suas excelências apareçam na televisão.

A CPI dos Correios - que deveria ser "da Corrupção" e dispensar as outras duas - depois de ouvir ontem o ex-presidente do Banco Popular do Brasil, ouvirá hoje o genro do deputado Roberto Jefferson. A CPI tem tempo para isso, mas não para convocar o ex-ministro Luiz Gushiken, que controlava as milionárias verbas de publicidade do Executivo que engordaram as contas do publicitário Marcos Valério de Souza - o principal operador do mensalão. Isso para não falar do "astro" dessa novela, José Dirceu.

Mas foi a CPI do Mensalão que excedeu qualquer expectativa. Aprovou, anteontem, a convocação de 72 pessoas que aparecem na lista dos sacadores das contas do publicitário Marcos Valério, entre elas 10 deputados, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o ex-secretário-geral do partido Silvio Pereira. Se for ouvir todas essas pessoas, ao ritmo atual de dois depoimentos por semana - maratonas que normalmente duram mais de 12 horas, porque qualquer parlamentar tem o direito de inquirir -, a CPI ficará ocupada durante 8 meses. E para quê? Para saber o que toda a Nação já sabe: que o PT, por inspiração do ex-ministro José Dirceu e através de seu tesoureiro Delúbio Soares e do operador Marcos Valério, comprou a adesão de parlamentares dos partidos aliados, pagando-lhes generosa mesada; que transferiu "recursos não contabilizados" para aqueles partidos; e fez pagamentos ilegais no exterior. Disso já há suficientes provas testemunhais. Sem o cruzamento das informações obtidas com quebras de sigilo - e isso as CPIs não parecem empenhadas em fazer -, poderá haver insuficiência de provas documentais. Ou seja, o bolo solará.


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