Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 27, 2005

DORA KRAMER Panorama visto do palácio

O ESTADO DE S PAULO

 

Aos cem dias de bombardeio incessante, o panorama visto do Palácio do Planalto é comparado a um longo túnel escuro ao fim do qual se vislumbra, no momento, uma tênue claridade.

Na definição de um auxiliar do presidente Luiz Inácio da Silva, ainda há muita crise pela frente, mas o governo pelo menos se sente capaz de circunscrever os seus limites e começar a agir com alguma organização para se defender de seu efeito mais temido: o impeachment, também conhecido pelo nome de "hecatombe" dentro do palácio.

"Até agora vínhamos subindo uma montanha russa no escuro, com os fatos se sobrepondo uns aos outros e proporcionando sustos constantes", diz o assessor.

Alguns episódios contribuíram para o clima de relativo otimismo: a repercussão positiva da entrevista do ministro Antonio Palocci, os últimos discursos do presidente - bons, na visão oficial - e, por que não dizer, o açodamento de integrantes da CPI dos Correios e do Ministério Público em tratar com certo espalhafato declarações do doleiro Toninho da Barcelona e do ex-assessor de Palocci Rogério Buratti.

Na realidade, percebe-se que a pressa de procuradores e parlamentares proporcionou alento bem maior que as performances do ministro (desmentido no conteúdo logo após) e do presidente (bem avaliado por honra da firma), porque deu ao governo a oportunidade de usar em sua defesa o argumento do fator "irresponsabilidade institucional" nas investigações.

Admite-se, internamente, que a bonança possa ter vida breve - "a luz no fim do túnel não quer dizer que ela não pode voltar a se apagar ou que a saída esteja perto" -, mas observa-se que a melhora no ambiente dá ao governo um horizonte sem sustos à vista e a sensação de fôlego político para esperar a conclusão das investigações. Com elas, as punições cujo efeito será, sob esta ótica, o afrouxamento da pressão da opinião pública e das forças políticas sobre Lula.

Na expectativa otimista, paralelamente aos julgamentos finais o Congresso retomará a agenda normal de votações e os políticos cuidarão do debate da reforma do sistema político-eleitoral. Se o referendo de outubro sobre a proibição da venda de armas mobilizar a sociedade e tomar conta da pauta, melhor ainda.

No tocante às pesquisas de opinião desfavoráveis, avalia-se no governo que refletem os três meses de fatos e "factóides" negativos. Cumpre, portanto, aproveitar a aparente trégua para tentar retomar uma trajetória favorável. Tarefa dificultada, na percepção do Planalto, pelo "mau humor, quase hostilidade", generalizado da imprensa.

De qualquer forma, o governo acha que consegue se reorganizar. Primeiro, pela mudança do grupo palaciano, hoje integrado pelos ministros Palocci, Jaques Wagner, Márcio Thomaz Bastos e Dilma Rousseff, personagens menos referidos na lógica do embate político-eleitoral-partidário mais acirrado, cujo representante-mor era José Dirceu.

Isto é observado com o cuidado de ressaltar dois aspectos: "a estatura e a importância política", mas também o afastamento de Dirceu da Casa Civil quando da constatação de que suspeições graves desaconselhavam sua permanência no cargo.

O novo grupo é adepto da ampliação da interlocução presidencial para todos os setores da sociedade e abandono o quanto antes da idéia de buscar sustentação exclusiva nas antigas bases sociais e nos extratos menos informados da população. Até porque estes já estão devidamente atingidos pelos efeitos da crise e aqueles fazem exigências impossíveis de serem atendidas, como alterações na política econômica.

A tese do Brasil-partido, viu-se, não deu certo. Como de resto mostrou-se ineficaz a discurseira conspiratória e a aliança direta com as massas.

Mais prudente é ampliar o diálogo e privilegiar as instâncias institucionais.

Daí a razão dos vários encontros do presidente com empresários nos últimos dias e também da reunião de Lula com os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal e com o procurador-geral da República, do qual resultou um documento de afirmação da normalidade institucional. Em tese, desnecessário, pois inexistem anormalidades dessa natureza, mas considerado útil para marcar bem a posição do Planalto.

Na realidade, a pouca repercussão desse encontro causou uma certa frustração no governo, que esperava vê-lo saudado como um gesto de alto significado.

Uma atitude mais ousada, e por isso mesmo ainda em fase de pesagem e medição sobre sua conveniência, seria o governo buscar concreta e objetivamente uma conversa com a oposição.

Mas isso, devido às óbvias implicações políticas e dos riscos de ser interpretado como um chamamento à operação abafa, fica para uma etapa mais adiante, dada a convicção de que há léguas de crise a percorrer antes de Lula voltar - se é que voltará -a dormir o sono dos justos.

Dissonância

Adianta pouco o governo teorizar sobre distensão e concertação se, na prática, o presidente vê os críticos como "aves de mau agouro" e seu líder no Senado qualifica de "vedetes" integrantes das comissões de inquéritos.


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