O presidente Jimmy Carter, quando fracassou na tentativa de resgatar, militarmente, os reféns americanos da Embaixada no Irã, foi à televisão e declarou que assumia, como primeiro mandatário da nação, o fracasso, eximindo todos aqueles que participaram da operação. Quem acompanhou os fatos, à época, lembra-se que o fracasso deveu-se a um notável acúmulo de erros do exército americano encarregado da execução e planejamento daquela ação. Mesmo assim, o presidente assumiu sozinho a culpa.
Os acontecimentos que geraram a maior crise da história brasileira não têm a grandeza da fracassada operação de resgate, em que as intenções eram muito maiores que a competência dos executores, ao ponto de os iranianos só terem sabido que seu território fora invadido e abandonado, com o pronunciamento do presidente Carter. Envolvem, diretamente, o governo e, indiretamente, seu mandatário maior, o presidente Lula.
Em seu primeiro pronunciamento, sobre a magnitude da crise, Lula não assumiu, todavia, como Carter o fez, qualquer responsabilidade pessoal. Limitou-se a manifestar indignação com seus mais diretos auxiliares que a provocaram e a dizer que - não ele - mas o governo e seu partido deviam desculpas ao povo brasileiro. Se um empresário, eleito por acionistas, para a presidência de uma sociedade de capital aberto, deixasse sua empresa ser tomada por um nível de corrupção e de desvios semelhantes, os acionistas o destituiriam, pois, mesmo que alegasse desconhecimento e inocência, teria desmerecido o mandato, pela denominada culpa in eligendo ou culpa in vigilando.
As duas expressões jurídicas - que exteriorizam aspectos da ''culpa'', como negligência, imperícia, omissão, imprudência - significam, em linguagem mais popular, que quem escolhe mal seus auxiliares (in eligendo) e vigia mal suas ações (in vigilando) é o responsável pelos danos por eles causados, razão pela qual, no caso do presidente da empresa, não mais estaria à altura de dirigir a companhia.
No campo do direito administrativo, sempre que o Poder Público lesa o cidadão é obrigado a ressarci-lo, mesmo que a ação estatal não tenha derivado de culpa, nem de dolo (má-fé, fraude, etc). Denomina-se, esta terceira modalidade de responsabilidade, ''responsabilidade objetiva''. O dano causado, independentemente da intenção do agente, é suficiente para impor o ressarcimento oficial (artigo 37, § 6º da C.F.).
O aspecto, todavia, relevante de tal responsabilidade, é que, em casos de dolo ou culpa do agente público, deve o Estado ingressar com ação de regresso contra ele -ação essa que é imprescritível (art. 37, § 5º da Lei Maior).
Como se percebe, o Direito Administrativo Constitucional não perdoa o agente público que age com dolo ou culpa.
Trago estas considerações a meus leitores do Jornal do Brasil porque estou convencido de que, nada obstante ter pessoal admiração pelo carisma do presidente Lula e pela sua coragem e trajetória política, é ele responsável pelo atual estado de coisas, por não ter sabido escolher seus principais auxiliares que negociaram apoios de forma espúria e por não vigiar sua ação na condução dos assuntos públicos.
Reconheço que sua escolha, na área econômica, foi adequada e bem sucedida, tem no Ministério da Justiça um homem de bem e em alguns outros Ministérios pessoas dignas. Mas a área política foi desastrosamente conduzida, desfigurando seu governo para a história. E, nisto, a sua culpa é evidente.
É que alguns deles ainda se inspiraram nos métodos marxistas, e, para Marx - quem leu sua obra sabe disto - os meios estão sempre justificados pelos fins. Como os marxistas não dividem o poder, era mais fácil comprar aliados do que com eles compartilhar. Os fatos, infelizmente, estão a demonstrar ter sido este o caminho seguido. E como, pela teoria gramciana, as vias democráticas só interessam como meio de acesso ao poder para imposição posterior de seu modelo autoritário, não excluo que a revelação do que ocorria nos porões apodrecidos do governo leve aos marxistas ainda remanescentes a persistirem no plano traçado sob a inspiração do mal humorado filósofo-economista do século XIX, ou seja, suscitar a luta de classes para viabilizar a implantação de um regime autoritário.
Como ainda creio no patriotismo do presidente Lula e de parte de seus diretos auxiliares, é o momento de cortar, realmente, na própria carne e punir, de imediato, aqueles que ele sabe que são culpados pela crise criada em seu governo. E assumir a culpa de não haver bem escolhido, nem bem vigiado a ação política de seu governo.