PRIMEIRA LEITURA |
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Este texto nasce de uma pergunta que me faço: o que resta a Lula? Então vamos pensar um pouco. Se não for impichado, Lula vai disputar a reeleição e radicalizar o discurso. E, curiosamente, está pronto para fazer duas radicalizações: 1) na economia, pretende elevar para 5% do PIB o superávit primário, numa tentativa de preservá-la da especulação que naturalmente viria na esteira de um governo combalido; especulação agora o derrubaria nas ruas, não no Parlamento; 2) na política, investirá fundo na despolitização do debate e na clivagem entre pobres e ricos, voltando, de certo modo, às origens do PT, mas agora descolado de qualquer utopia, mesmo aquela doidivanas, que os setores à esquerda do partido encarnavam. O discurso mais propriamente ideológico, aquele que apela à luta de classes, à luta contra o imperialismo e contra a espoliação internacional, este ficará com os partidos desgarrados da nave-mãe: PSTU e PSOL. Lula volta àquela sua pregação de sempre, de que a esquerda autêntica nunca gostou muito, mas sempre tolerou porque, afinal, dava visibilidade e musculatura ao aparelho. Sem uma patrulha mais ativa, ele se reencontra com aquilo que sempre foi: um político com curta visão de futuro, com pitadas de messianismo e populismo, mas também nem tanto a ponto de prejudicar a sua condição de tubarão da nova classe social. A construção de Duda Mendonça está morta e enterrada. Seu novo marqueteiro chama-se Ciro Gomes. O lulismo, que sempre foi mais amplo do que o petismo, virá em socorro do partido para salvá-lo do desastre absoluto, manter um organismo ainda estruturado e, tudo indica, encher o saco do próximo presidente por meio de suas correias de transmissão que continuam fortes como aparelho: CUT, MST e uma miríade de movimentos sociais e ONGs. Volto à minha pergunta inicial: o que resta a Lula? Tendo feito a coisa errada há dois meses — quando deveria ter dito que não seria candidato em 2006 — e vendo o governo penosamente amarrado a uma teia que só se adensa, com os índices de popularidade ladeira abaixo, terá de impedir que a economia se contamine pelo colapso do partido e do governo, hipótese em que ele se tornaria uma espécie de De la Rúa — com o agravante de que foi a incompetência que derrubou aquele governo, não a corrupção. Assim, no pouco espaço de manobra que tem, a elevação do superávit não é má idéia. E, na política, vai fazer a dobradinha com Ciro no discurso da estridência e da denúncia do... da... de... bem, de qualquer coisa. Chegou a hora em que os fiéis querem a exortação, não a razão. E Lula vai para a disputa. E para bater pesado em seus adversários. O que lhe falta de preparo político, ele tem de faro. Faro serve para quê? Para governar é inútil. Serve, em alguns casos, para catar os patos selvagens que são alvejados e, na política, para manter cativa uma fatia do eleitorado. Pode parecer piada, mas é fato: Lula já está se preparando para a hipótese de voltar a ser o Lula que sempre foi, de sucessivos governos: Figueiredo, Sarney, Collor, Itamar e FHC. A rigor, ele não deixou de ser um pouco o Lula de seu próprio governo. Ser Lula é uma profissão. Rentável e de prestígio. É claro que ninguém vai lhe dar bola depois. Mas que alternativa ele tem? Fosse outro, daria graças aos céus por terminar o mandato e chegar livre ao fim da história. Mas aí ele não seria ele. Vai continuar a achar que recebe mensagens divinas. Se abusar só da água mineral, vai perceber que é mentira. Ele vai ter de radicalizar. É um desdobramento lógico dos fatos. Afinal de contas, sabemos agora, ele nem aprendeu nada nem mudou. Intelectuais de esquerda como Francisco de Oliveira, que sabem o que querem (lá à maneira deles), sonharam que ele poderia ser uma espécie de cavalo de Tróia. Mas ele era fraco até pra isso, e tanto os sindicalistas como os stalinistas de Dirceu estavam ocupados com outra coisa. Por isso Chico caiu fora. Outros tantos, como Marilena Chaui, que não sabem nem para que serve a taxa Selic ou o que a distingue do spread bancário — e isso se percebe em suas intervenções —, estes permanecerão fiéis a um PT emagrecido, subordinados ainda à única pepita de liderança popular que julgam ter encontrado: Lula. No fim das contas, sabem que é falsa. Mas agora é tarde. A cada tolo o seu ouro. Há um quê de engraçado nisso. E há uma boa possibilidade de que a realidade retome a sua rotina. Elege-se um novo presidente. A CUT vai começar a criar movimentos de perturbação no serviço público e a tentar parar alguns setores da economia produtiva. O MST recrudescerá as invasões; a USP voltará a produzir seminários e manifestos sobre a desigualdade e contra o capitalismo e a globalização; os colunistas de esquerda que ajudaram a eleger Lula poderão voltar a falar mal de um governo sem culpa na consciência e, finalmente, acusá-lo de novo de direitista e conservador. Enfim, os poderosos vitimistas já estão todos prontos para voltar à cena. No fim das contas, lá no fundo da consciência, do que resta dela, talvez o próprio Lula não veja a hora de isso terminar. Melhor ter boa vida xingando os outros do que sendo xingado. E ele vai continuar com um vidão. Mas me desviei um pouco. O que interessa observar é precisamente isto: Lula vai tentar criar uma casca de proteção à economia — e estou me referindo apenas àquele setor sensível à especulação (já volto a isso) — para poder sacolejar forte na política. Mesmo que perca a eleição, anotem aí: pode não ser o passeio que muitos estão esperando. Ele vai para o confronto. E ainda vai seduzir bastante gente, sim, senhores. Para ele, é vital que um eventual novo governo assuma como se deixasse para trás um certo rastro de ilegitimidade. É por isso que a oposição precisará de ter bastante juízo e bastante sangre-frio para fazer suas escolhas. Vejo aqui e ali gente falando em vetar este ou aquele nome por causa disso ou daquilo. Estão brincando? Se Lula for mantido no poder pela boa vontade de estranhos, não o tomem por cachorro morto jamais. E tal observação tem dois sentidos: 1) não deve ser tomado porque não se deve apostar que as pessoas percam eleições de véspera; 2) não se deve apostar porque a sua candidatura traz consigo, naturalmente, um forte fator de turbulência, que se projetará para 2007. Pouco importa se ele vai perder ou vai ganhar. E agora volto à questão econômica para encerrar. Com seu superávit, Lula até pode impedir crises especulativas. Mas é claro que ele sabe e nós sabemos que os investimentos, que já foram pífios, estarão, a partir de agora, congelados. Este é Lula: o país passa dois anos arrumando o desacerto provocado por sua eleição e depois pára os outros dois esperando para ver o que acontece com a sua sucessão. Poucos se dão conta. Mas perdemos um dos maiores períodos de expansão e calmaria da economia mundial, inédito nos últimos 40 anos, tentando ora provar que o sapo era príncipe, ora impedir que o príncipe-sapo assumisse, no comando do país, a sua real natureza. E Lula, claro, é ainda um homem de sorte. Imaginem esse bando de trapalhões tendo de gerir uma crise internacional. FHC enfrentou sete. O petista pode deixar o poder sem saber o que isso significa — se Deus quiser. Podem ficar preparados. Vem muita gritaria por aí. Lula vai disputar palmo a palmo o eleitorado de Garotinho. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, agosto 30, 2005
O que resta a Lula Por Reinaldo Azevedo
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