Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 30, 2005

Merval Pereira Corte eleitoral

o globo

A explicação para a esdrúxula proibição, incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de que o Executivo corte as emendas individuais dos parlamentares, pode ser uma reação corporativa a uma orientação do Ministério da Fazenda que circula pela Esplanada dos Ministérios em Brasília: o governo decidiu apertar ainda mais o cinto, não liberando as emendas coletivas e de bancadas previstas no Orçamento deste ano, mantendo os gastos nos níveis atuais. Isto pode significar que os recursos alocados no Orçamento da União visando a manter projetos nacionais, que não têm vínculo específico com as bases eleitorais, ficam muito prejudicados, e alguns até inviabilizados.

O Ministério da Saúde, por exemplo, está com contingenciamento orçamentário das dotações de emendas coletivas e de bancadas no valor equivalente a R$ 1,2 bilhão. As emendas eram pagas normalmente no último trimestre do ano, e iam sendo liberadas de acordo com a arrecadação.

A Frente Parlamentar da Saúde, comandada pelo deputado tucano Rafael Guerra, foi avisada há 15 dias, pelo ministro da Saúde, de que não mais seriam liberadas emendas na área este ano. A orientação seria para liberar apenas as emendas individuais dos parlamentares, mas nem mesmo isso está garantido. E todos os esforços seriam destinados à ampliação do Bolsa Família ainda este ano.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, a meta para este ano é levar o Bolsa Família a todos os 5.560 municípios brasileiros, beneficiando 8,7 milhões de famílias, com inclusão daquelas que têm renda per capita de até R$ 50, e atendimento de 70% da população pobre em todo o território nacional. Tudo indica que o governo decidiu, diante da proximidade eleitoral, acelerar a meta de incluir as 11,4 milhões de famílias previstas.

A previsão de recursos para este ano era de R$ 6,5 bilhões. O Orçamento da União para 2006, que deve chegar ao Congresso nos próximos dias, pode conter mais elementos polêmicos, que colocarão em xeque o papel dos parlamentares num momento delicado da vida nacional, e poderão confirmar movimentos eleitorais do governo no aumento das verbas para o Bolsa Família, o programa que mais garante o seu suporte político no interior do país.

Em termos orçamentários, é viável o governo encontrar verbas para aumentar a dotação do Bolsa Família, especialmente se subestimar na elaboração do Orçamento grandes gastos, como benefícios da previdência e juros, e depois, ao longo da execução, no meio do ano, fazendo o acerto com as chamadas verbas suplementares. Mas como há restrições de prazos na liberação de verbas em ano eleitoral, o governo, por via das dúvidas, estaria antecipando suas metas no Bolsa Família para este ano.

As emendas parlamentares ou se dão por emendas individuais, ou de bancada. É nesta última categoria que estão as grandes maracutaias, mas também as emendas para projetos de interesse dos estados, ou verbas para investimentos em centros de pesquisas, por exemplo. Foi uma emenda de bancada, por exemplo, que recuperou as verbas do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, do célebre juiz Nicolau, que havia sido rejeitada no ano anterior. Ela precisa do apoio de dois terços da bancada, e os governadores as organizam de acordo com seus interesses. Em um ano, as emendas de bancada de um estado foram todas para um mesmo empreiteiro.

Já as emendas individuais têm a origem no regime militar. Os parlamentares têm cada um uma verba anual de R$ 2,5 milhões, que podem ser distribuídas no máximo em 20 emendas. Antes do regime militar, era livre o emendamento, como é nos Estados Unidos. No regime militar, o Congresso só podia aprovar ou rejeitar o Orçamento, não podendo alterá-lo. Era absolutamente aprovado, e, para compensar, inventaram uma cota para cada parlamentar indicar entidades assistenciais, um cala-boca.

Depois da CPI dos Anões em 93, isso foi transformado na emenda individual, de aprovação automática, mas que o governo pode contingenciar. A manipulação do Orçamento era feita ainda no Ministério do Planejamento, onde os "anões" incluíam todas as suas emendas. Na comissão, aparentavam rigidez, impedindo que outras emendas fossem aprovadas. Um lado bom dessa alteração na LDO seria acabar com a negociação política da liberação das emendas individuais a cada votação.

Na verdade, o Orçamento aprovado pelo Congresso é meramente autorizativo, estima as receitas e prevê as despesas, quando deveria ser impositivo. Com a alteração da LDO, apenas as emendas individuais dos parlamentares seriam impositivas, o que é um contra-senso.

Acelerando o projeto de ampliação do Bolsa Família, com o claro objetivo eleitoreiro, o governo que tem tanto zelo pelo equilíbrio fiscal, pode estar brincando com o perigo. Recentemente, o Ministério do Desenvolvimento Social analisou, dentro de um programa de avaliação e redefinição de prioridades e formas de atuação, o cadastramento de novas famílias em São Paulo, na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy.

O efeito eleitoral, tanto em 2002 quanto em 2004, fica claro. Assim também é facilmente identificável o efeito do Bolsa Família na sustentação da popularidade do presidente nos grotões do país, enquanto nas demais regiões ela está em queda. Ampliar o raio de ação do Bolsa Família às vésperas de um ano eleitoral é uma ação claramente populista, embora seja difícil votar contra a concessão de tais benefícios.

Mas o gasto com concessão de bolsas como essas torna-se permanente, praticamente tão fixo quanto uma aposentadoria do INSS, sendo impossível cortar depois de concedido.

Arquivo do blog