Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 31, 2005

DORA KRAMER Inconveniência continuada

O ESTADO DE S PAULO

Severino faz defesa de ilícitos e consolida as piores expectativas a seu respeito Não que tenham muita importância ou poder de influência as coisas que diz ou pensa o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti.

Mas, como sua conduta queira ou não resulta num reflexo da imagem do Parlamento, sempre é bom ressaltar o resultado da obra construída em fevereiro último por uma afoita oposição em conjunto com uma incompetente situação.

Principalmente em situações como a atual, em que o deputado acha por bem fazer a defesa enfática de ilícitos penais e morais, cumpre lembrar às excelências a armadilha que montaram e da qual se tornaram reféns.

Bons ou ruins, preparados ou despreparados, conscientes ou inconscientes, honestos ou desonestos, dignos ou abjetos, altivos ou desprezíveis, todos acabam confundidos com pequeninos severinos a cada demonstração de inadequação do homem ao cargo, proporcionada pelo titular do posto terceiro na linha de sucessão presidencial.

O produto do menosprezo aos ritos e procedimentos institucionalizados no Poder Legislativo deu nisso: na eleição para presidi-lo de um parlamentar que não considera indecoroso o suborno, acha o trânsito ilegal de dinheiro uma falta menor e nada vê além de conduta "muito ruim", digna apenas de censura, no desvio de dinheiro de uma empresa pública para os cofres de partidos.

Isso para um Congresso já em estado de litígio explícito com a opinião pública é sal puro em feridas abertas. É claro que o encaminhamento do resultado das investigações das comissões de inquérito não será o defendido por Severino Cavalcanti, cuja noção de justiça passa necessariamente por suas circunstâncias pessoais e partidárias.

Como de resto passam também por conveniências familiares seus critérios sobre administração pública.

É evidente que nada será feito no ritmo e ao molde do gosto de Severino e seus companheiros de partido, muito deles envoltos até o pescoço nas acusações em cartaz e para as quais o presidente da Câmara defende punições leves, jamais cassações.

A fim de reparar o estrago causado pela entrevista que deu à Folha de S. Paulo, toda ela um elogio ao compadrio e à ilegalidade, o presidente da Câmara leu uma nota oficial, durante a sessão de ontem no plenário, cheia de obviedades - "esta Casa não condenará inocentes sem que tenham amplo direito de defesa assegurado" - insuficientes para eliminar o efeito da entrevista.

A gritaria veemente sobre a própria honra e biografia alta, preparada às pressas para servir de lenitivo às palavras ditas no dia anterior com toda a calma, e certamente em frente a um gravador, não consertaram coisa alguma.

Nem poderiam tal a enormidade dos disparates pronunciados.

Do ponto de vista legal, a mais grave delas é exibida a título de explicação sobre o que seria, na visão de Severino, a diferença entre o "mensalão" - na opinião dele inexistente - e o abastecimento financeiro de partidos.

"A procedência do dinheiro é muito ruim, porque foi feito com dinheiro vindo dos Correios, de publicidade. Mas tem de ver caso a caso, porque ninguém merece execração pública sem provas", diz ele.

Primeiro, atesta que o dinheiro repassado pela empresa de Marcos Valério de Souza aos deputados tem origem no setor público; depois, não vê o enorme ilícito existente no repasse de dinheiro de uma estatal para o caixa de partidos; por último, defende tratamento fidalgo aos subornados por aquele dinheiro, segundo ele mesmo, "de procedência ruim, vindo dos Correios".

O deputado Fernando Gabeira talvez tenha se irritado além da conta ao protestar contra as atitudes de Severino ameaçando, de peito aberto, iniciar um movimento pela derrubada do presidente da Câmara.

Deu o argumento que muitos precisavam para sair em socorro de Severino e reforçar, assim, aquelas posições, digamos, apaziguadoras, defendidas por ele. Forneceu a ele a chance de passar de réu a vítima.

Além do mais, não seria a mesma Câmara que produziu Severino Cavalcanti a instância mais legítima para requerer seu impedimento, seja por suspeições de ordem ética - levantadas de público por Gabeira durante o protesto -, seja por ausência de conformes à altura do cargo.

Ali ninguém pode reclamar de nada. A oposição achou que podia brincar de impor uma derrota ao governo completa, bem maior do que seria a eleição de Virgílio Guimarães e não do candidato oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh.

A situação, aí entendida como o PT, voltou-se para o próprio umbigo, encaminhou todo o processo obedecendo à dinâmica da briga petista pelo poder paulista. Confiou no patriotismo da oposição - daí o governo ter ficado especialmente irritado com os tucanos - e no sabujismo dos partidos aliados.

Saiu tudo errado, ninguém levou em conta que haveria dois anos pela frente com a Câmara sendo conduzida por um parlamentar que por alguma razão ainda pertencia ao chamado baixo clero depois de décadas de vida parlamentar.

Assim como se pode dizer também em relação a um outro presidente, a cigana não enganou ninguém a respeito de Severino Cavalcanti, cujos atributos estiveram sempre à disposição; surpreende-se e decepciona-se só quem imaginou poder festejar a indigência sem pagar um preço por isso.


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