Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 28, 2005

Editorial de A Folha de S Paulo CORRUPÇÃO ENRAIZADA




 É pertinente o argumento de que a formulação e a aprovação de reformas político-eleitorais sob o signo da crise atual correm o risco de contemplar propostas irrefletidas ou casuísticas marcadas pela pressa em oferecer respostas "rigorosas" aos problemas institucionais que favoreceriam a corrupção.
Há, de fato, mudanças a fazer que induzam à adoção de procedimentos mais republicanos pela política brasileira. Não é aceitável, porém, transferir para o arcabouço político-eleitoral a responsabilidade pelo festival de irregularidades cometidas nesse campo pelo PT e pelos demais partidos que se serviram de recursos de caixa dois e de outros expedientes ilícitos para obter vantagens.
Um mínimo de respeito à ética, à decência e à honestidade provavelmente surtiria melhor efeito. Parte-se, porém, entre nós, do pressuposto de que esse tipo de compromisso inexiste para amplos setores da classe política. Por absurdo que pareça, exigir correção moral de parlamentares, governantes e dirigentes de partidos soa para muitos como uma ingênua e pueril fantasia -algo como pretender que um animal deixe de reagir de acordo com seus instintos.
Lamentavelmente, esse comportamento encontra respaldo numa sociedade em que a informalidade impera em suas diversas faces e os preceitos éticos e legais são com freqüência vistos como algo a ser observado por terceiros -em especial os menos informados e pouco sagazes.
Dos delitos do cotidiano, como entrar em acordo com um profissional liberal para realizar pagamentos sem emissão de nota, aos grandes esquemas de sonegação fiscal ou captura de fundos públicos, estende-se pela sociedade toda uma trama de complacências e licenças que faz da burla -ou do "jeitinho", em seu pior sentido- quase que um traço nacional.
São sintomáticas quanto a isso as próprias palavras do presidente da República ao minimizar o uso de caixa dois pelo PT com o argumento de que o partido apenas faz o que todos sempre fizeram. Ainda que seja verdade -e tudo indica que sim-, o raciocínio ecoa a frase do humorista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta (1923-1968): "Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos."
É óbvio que a corrupção não é uma fenômeno de apenas um país. Aqui, porém, a prática é enraizada e pouco combatida. Essa é possivelmente uma das explicações para o pragmatismo de alguns observadores internacionais, que, consultados sobre o escândalo, não demonstram surpresa. Afinal, não há mesmo novidade em partidos e governos corruptos na América Latina. E a administração petista, que tudo mudaria, vai se revelando apenas uma espécie de versão revista e atualizada do antigo populismo que fez história na região.
Mais do que mudar regras para eleições e partidos, seria mais eficaz se o país contasse com uma polícia e uma Justiça preparadas para cumprir a contento as suas funções. São essas instituições que podem, na prática, mostrar o grau de rigor com que o Estado zela pelo cumprimento das leis -investigando os delitos e punindo os infratores independentemente de classe social.
Quanto à questão político-eleitoral, é possível, por ora, que se promovam alguns ajustes, mas uma verdadeira reforma precisaria, pelo menos, ser mais bem discutida, evitando que em breve novas propostas surjam em cena dando seqüência a uma contraproducente sucessão de casuísmos.

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