O GLOBO
ROCCO COTRONEO
Foi uma revolução rápida e inesperada. Em dois anos (1992-1993), todo o sistema político italiano desmoronou por causa de uma grande operação conduzida pelo Judiciário e apelidada de Mãos Limpas. Durante o processo, centenas de políticos corruptos, bem como seus corruptores, foram envolvidos e dezenas de processos foram instaurados. Coincidentemente, no mesmo período, algumas reformas institucionais foram realizadas no país. Esses acontecimentos resultaram na quebra de um sistema político que na Itália durava desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O exemplo da Mãos Limpas pode ser útil para se imaginar uma saída para a atual crise brasileira? Nos últimos dias muitas pessoas me fizeram essa pergunta. No começo dos anos 90 trabalhava no "Corriere della Sera", em Milão, como repórter de economia e acompanhei de perto alguns daqueles acontecimentos.
O Brasil, assim como a Itália, é um país com altos níveis de corrupção. Em ambos, política e negócios mantêm ligações anômalas, e o sistema político é instável, complexo e contraditório. Aqui há um presidencialismo imperfeito que não permite bases políticas majoritárias e confere enormes poderes aos parlamentares em detrimento dos partidos. Na Itália tínhamos um sistema parlamentar poluído por excesso de partidos, o que causou 58 governos diferentes ao longo de 55 anos de democracia.
A operação Mãos Limpas revelou que o dinheiro fluía farto das empresas públicas e privadas para o bolso dos políticos, em troca de favores, privilégios e concessões de obras. Hoje no Brasil o mecanismo é parecido, embora o quadro geral ainda não esteja perfeitamente esclarecido para a opinião pública. A razão é que as investigações feitas pelo Congresso estiveram focalizadas, até agora, nos pontos de chegada do dinheiro e não na sua origem, ou seja, quem financiou os caixas dois, o mensalão e, sobretudo, por que tudo isso foi feito.
Vamos agora às diferenças entre os dois países. Na Itália, o processo de investigação criminal é de competência exclusiva do Judiciário. As CPIs existem, mas servem como instrumentos de investigação política, que ocorrem geralmente após o trabalho dos juízes. Elas acabam, na maioria das vezes, como formas de colocar um ponto final histórico sobre os fatos. Os magistrados italianos podem também julgar os parlamentares, mas precisam de uma autorização prévia outorgada por um voto do Parlamento. Este, como é óbvio, tende a se autodefender. Se os juízes italianos tivessem começado o trabalho com os políticos corruptos, provavelmente a Mãos Limpas nunca teria existido. Optaram, ao contrário, em iniciar com os corruptores (as empresas) e com os intermediários.
A chave da operação foi o uso do encarceramento, muitas vezes distorcendo o código penal em aspectos discutíveis, porém com apoio maciço da opinião pública. Os corruptores foram presos com o objetivo de obter confissões e algumas indicações úteis às investigações (contas bancárias, percursos do dinheiro etc.). Somente quando as provas se tornaram suficientemente evidentes os juízes passaram aos corruptos, ou seja, aos políticos. Mas o resultado mais abrangente não foram as condenações (nenhum político italiano está hoje na cadeia), mas a "morte política" dos responsáveis e de seus partidos.
No Brasil, o mecanismo das CPIs está deixando à margem dos escândalos o Judiciário e aquela que foi a arma italiana para forçar confissões — a prisão — hoje praticamente não é utilizada. É improvável que as peças-chaves dos fluxos de dinheiro (Marcos Valério, por exemplo) cheguem a nos oferecer nas CPIs um quadro completo dos acontecimentos. A descoberta de dezenas de saques e dos nomes dos políticos que receberam dinheiro tem indignado a opinião pública, mas bem pouco tem ajudado a entender o motivo dos empréstimos ou quais eram as vantagens para quem emprestou o dinheiro.
A Mãos Limpas levou à dissolução os dois grandes partidos que governaram a Itália por décadas — a Democracia Cristã e o Partido Socialista — e ao sumiço de muitos aliados. Os partidos desmoronaram por causa das acusações e da indignação geral e não por intervenção da Justiça. Ao longo das investigações o sistema político italiano se auto-reformou, com pequenas mudanças constitucionais que provocaram, espontaneamente, nas eleições de 1994, o nascimento de um sistema bipolar (duas grandes agregações de centro-direita e de centro-esquerda) e a simplificação do quadro político. Hoje, o sistema italiano está longe de ser perfeito e muitas anomalias do passado persistem, mas a confiança dos italianos nas instituições, que nos anos de 1992 e 1993 estava no mesmo nível brasileiro de hoje, teve uma boa recuperação.
O exemplo italiano sugere que qualquer tentativa de congelamento do atual sistema político brasileiro, ou de falsas reformas, ou ainda a redução das CPIs à luta entre os partidos, só corre o risco de levar o Estado, como instituição, a virar o cordeiro sacrificado do mensalão. É preciso que a opinião pública e os políticos honestos mudem o foco dos episódios singulares para o problema geral. Uma reforma eleitoral para simplificar o quadro político e trazer de volta a ordem ao sistema, junto à refundação dos partidos envolvidos nos escândalos, começando pelo PT, parece uma solução obrigatória. Depois da morte política, fica mais fácil renascer das cinzas, como a fênix, do que tentar parar o lento processo de decomposição.
ROCCO COTRONEO é correspondente do jornal italiano "Corriere della Sera" na América Latina.
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