FOLHA DE S PAULO
No mundo de hoje, os países não têm mais amigos nem inimigos. Cada um defende apenas seus próprios interesses
Enquanto durou a Guerra Fria, com a divisão do mundo em dois blocos antagônicos e inconciliáveis, os países em desenvolvimento podiam orientar suas políticas externas por motivos ideológicos, colocando-se em um campo ou no outro.
Essa tomada de posição tinha também efeitos práticos e podia render bons frutos, na medida em que o alinhamento político com qualquer dos dois lados resultava em acordos econômicos vantajosos com os respectivos países-líderes, vale dizer, as duas superpotências hegemônicas, Estados Unidos e União Soviética.
Agora, tudo mudou. Com o desmoronamento do bloco socialista, o engajamento ideológico em política externa não tem mais razão de ser, perdeu o sentido. Além de não haver mais uma causa a defender, não resulta em nenhum benefício econômico. Ao contrário, só traz prejuízos.
Infelizmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua tosca equipe de assessores -como ele escolhe mal!- ainda não perceberam essa nova realidade mundial e, por isso, embarcaram em uma política exterior equivocada e ultrapassada.
Deslumbrado com o cargo e na ilusão de que se tornaria um protagonista importante no cenário internacional, o presidente -às vezes, com o Itamaraty à margem- tratou de buscar dois objetivos impossíveis. Um, liderar a América Latina; outro, formar um bloco com a China e a Índia, em contraposição aos Estados Unidos e à Europa.
O primeiro objetivo logo fracassou, quando México e Argentina deixaram claro que jamais aceitariam a liderança do Brasil. E o segundo também acaba de se mostrar inviável, com a decisão da China de se unir aos Estados Unidos contra a pretensão do Brasil de se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
Aliás, na busca desse objetivo maior -não se sabe por quê- da nossa política exterior, não tivemos apoio sequer dos países da União Africana, que apresentaram uma proposta diferente, inviabilizando a nossa.
Mais vexatórias ainda foram as contundentes derrotas que sofremos nas disputas para a diretoria da OMC e a presidência do BID. Da mesma forma, apesar da nossa política terceiromundista, a maioria do Terceiro Mundo nos recusou apoio.
Mesmo no âmbito mais próximo da América do Sul, além das crescentes cutucadas que levamos da Argentina, outros países vizinhos já demonstraram, na prática, que não farão alinhamento automático com o Brasil. Vale dizer, não lideramos nem mesmo o nosso próprio terreiro.
A partir de agora, talvez o presidente Lula perceba que as políticas externas de cunho ideológico acabaram. E a China é o grande exemplo disso. Em suas relações com o mundo, os chineses são de um realismo brutal. Jamais formarão nenhum bloco político, muito menos contra os Estados Unidos, país com o qual mantêm um valiosíssimo intercâmbio comercial.
Ao apostar suas fichas em uma aliança política com a China, o governo brasileiro fez concessões prejudiciais a setores importantes da nossa economia, que ficaram sem salvaguardas. Tudo isso rigorosamente a troco de nada. Tomara que Lula tenha aprendido com os pragmáticos chineses. No mundo de hoje, os países não têm mais amigos nem inimigos. Cada um trata de defender exclusivamente seus próprios interesses.
Tal postura não significa, contudo, amoralismo, com defesa apenas de interesses e abandono de princípios. Pragmatismo e principismo são perfeitamente conciliáveis, desde que os princípios sejam defendidos nos foros adequados, sem afetar as relações bilaterais com ingerência indevida nos assuntos internos do outro país.
Decorridos quase três anos do atual governo, o balanço do seu desempenho no plano internacional não anima. Marcada por sonhos megalomaníacos, desapego a princípios e malogro nas disputas, nossa política externa apresenta resultados medíocres, para não dizer melancólicos.