Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 31, 2005

Miriam Leitão :Aos mais céticos

O GLOBO

O dia foi de mandar o recado para os críticos. O Banco Central comemorou e discutiu ontem o regime de metas de inflação, polêmica ferramenta usada para manter os preços sob controle. O ministro Palocci, ao fim do dia, sentenciou: "O nosso BC conseguiu acertos extraordinários na busca de tornar o Brasil um país normal."
— Os juros não sobem por capricho — explicou Antonio Palocci, parecendo endereçar a frase para seu irrequieto público interno.


— Há quem diga que as metas de inflação são ambiciosas. Estamos no 12 ano deste processo de controle da inflação e a nossa taxa ainda é maior que a da maioria dos países do mundo — disse o ministro. E essa frase tinha nome, endereço e CEP: o novo candidato do grupo governista à direção do PT, Ricardo Berzoini, que disse que a meta é baixa demais.

Berzoini falou na hora errada, porque acaba de ficar claro que a meta será cumprida na mosca e na semana em que o PIB do segundo trimestre mostrará que o país continuou crescendo.

Mais do que um número, o que o regime de metas está mostrando é o aumento da resistência da economia brasileira aos choques de uma forma geral.

O economista Paulo Guedes tocou diretamente num assunto que aquela platéia, econométrica, preferiu evitar ao longo do dia inteiro:

— Nós estamos aqui discutindo modelos que alongam o horizonte da política monetária no meio da pior crise da nossa história; com a inflação sendo derrubada e o país crescendo — afirmou, saudando o acerto da política introduzida pelo Banco Central.

Nada naquele seminário lembrava o polarizado ambiente político. Primeiro, ninguém falava como se tivesse havido mudança de governo. A festa era para comemorar o 6 aniversário de uma política. Segundo, os dados da economia apresentados eram inegavelmente saudáveis. Superávits comerciais e em conta corrente nunca dantes navegados apareciam nos slides de economistas brasileiros e estrangeiros.

Se todo mundo falava em seis anos, Palocci foi além e falou em doze. Ou seja, incluiu no fato a ser comemorado os primórdios do real, quando no governo Itamar ainda se tentava pôr em marcha um plano que acabasse com aquela inflação horrorosa.

— Tudo foi feito para controlar um dos nossos mais perigosos indicadores: a inflação alta — comentou Palocci.

O ministro disse que, em 99, o Banco Central "trouxe para o Brasil o que havia de mais moderno em termos de controle de inflação".

O professor Dionísio Dias Carneiro mostrou, em linguagem mais técnica, que a meta era, de fato, o que havia de mais moderno; tão moderno que ainda é cedo para avaliar completamente o seu resultado. Lembrou que o controle dos agregados monetários — política usada no Brasil nos anos 70 e parte dos 80 — não conseguiu debelar a inflação, que foi crescente; a âncora cambial funcionou por algum tempo, mas, como toda âncora, um dia entrou em colapso. Foi quando se introduziram as metas de inflação:

— Seis anos é um tempo pequeno, mas se deve fazer a seguinte pergunta: caiu a taxa de sacrifício para manter a inflação sob controle? — avaliou o professor.

Ele estudou o caso do Brasil e de outros países que passaram a adotar o mesmo mecanismo e concluiu que há boa indicação de que hoje é preciso menos sacrifício — ou seja, menos redução da taxa de crescimento — para manter a inflação sob controle.

De manhã, na palestra inaugural, falou Kenneth Rogoff, de Harvard. Já foi economista-chefe do FMI, já veio aqui em outros seminários desses e já é chamado de "Ken" pelos economistas brasileiros.

Ele tentou responder à questão-chave nesse debate: por que as taxas de juros são tão altas no Brasil?

O Brasil fez sete moratórias ao longo de sua vida como país independente. Mas não é o único com essa história. Ele apresentou uma lista dos serial caloteiros . O argumento é bom, mas insuficiente.

Quando acabou de falar, perguntei para ele como era possível explicar dois casos. A Rússia, que deu um calote em 98, e é considerada Bom Investimento, e a Argentina, que deu um calote ano passado e já está no mesmo nível de risco-país do Brasil no Embi do JPMorgan.

Kenneth Rogoff tem uma boa explicação para a Rússia: ela tem petróleo, tem reservas demais, não tem dívida, hoje é credor e não tomador de crédito. Outros economistas por perto explicaram a Argentina: os investidores estão lá por curto período, só para fazer um pé-de-meia.

O BC podia ontem comemorar porque está cumprindo a meta, mas continua o mistério de o Brasil ter a mais alta taxa de juros do mundo. Isso certamente cria distorções.

O BANCO RURAL divulga hoje um balanço vermelho (ops!): um prejuízo de R$ 130 milhões, vai provisionar R$ 156 milhões e já iniciou execução judicial contra todo mundo. Vai fechar 40% das agências e demitir 800 funcionários. O banco, que começou como braço financeiro de uma empreiteira, emitiu o cheque do Fiat Elba e outras coisas colloridas e mergulhou de cabeça no valerioduto, está decidido a mudar de vida.

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